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O “espírito de Natal” e suas contradições


às 13h29
Professora de Psicologia da Unit fala sobre os comportamentos coletivos adotados pelas pessoas durante a época natalina, que podem ser positivos ou negativos
Esse momento é interessante para exercitar a tolerância (Unsplash)
Esse momento é interessante para exercitar a tolerância (Unsplash)
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“Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel / e a tal felicidade, eu pensei que fosse uma brincadeira de papel./ Já faz tempo que eu pedi, mas o meu Papai Noel não vem./ Com certeza já morreu, ou então felicidade é brinquedo que não tem”. Os versos da marcha “Boas Festas”, do compositor Assis Valente (1911-1958), sintetizam dois sentimentos coletivos que costumam ser mais aflorados na época das festas de Natal: por um lado, os de alegria, generosidade e solidariedade, mas por outro, os de tristeza, ciúme, inveja, frustração e conflitos. São lados contraditórios do que muitas pessoas costumam chamar de “espírito de Natal”. 

Mas qual a raiz destes sentimentos, e até que ponto eles podem ser estimulados pelas características dadas ao período natalino, tanto os de cunho religioso quanto os de estímulo ao consumo? E como as boas atitudes desta época poderão ser mantidas ao longo do ano? Esse assunto é tratado pela psicóloga Luciana Andrade, professora e preceptora da Clínica de Psicologia do Centro Universitário Tiradentes (Unit Alagoas), que destaca duas atitudes importantes para manter os bons sentimentos do Natal pelo resto do ano: o exercício da tolerância e a reavaliação da necessidade de consumir. 

É o que você acompanha nesta entrevista:

O que pode caracterizar o “espírito de Natal”, esse comportamento adotado pelas pessoas ao fim do ano?

Esta época de final de ano é recheada de significados como solidariedade, paz, confraternização, mas esses sentimentos só farão sentido se investirmos no real valor que eles têm. O “espírito de Natal” pede que façamos um balanço do que fizemos durante todo o ano. Não considero isso favorável, pois exige um alto nível de elaboração que, de modo geral, não estamos dispostos a fazer. Há um erro neste “balanço natalino” porque resumimos nossas vidas ao que ganhamos ou produzimos, reduzindo nossos estudos a “investimentos” e nossos sonhos em “metas”. Avaliações desse modo levam a uma infelicidade e sentimento de solidão terríveis. É uma forma de olhar para a vida de um jeito muito pobre.

Quais são as boas atitudes que acabam realçadas mais nessa época? 

Atitudes de valor solidário. Gosto da origem da palavra: solidus, do latim, que quer dizer firme, inteiro, sólido. Ou sua origem do francês, solidarité, que significa responsabilidade mútua. Seria então um compromisso pelo qual as pessoas cuidam umas das outras e cada uma delas, a todas. 

E as más?

Com relação a atitudes ruins, penso que podemos presenciar neste período do ano, talvez de modo mais exacerbado, os sentimentos de inveja e ciúme. Em nossa sociedade, a inveja acaba sendo um regulador social, porque as aparências são decisivas e comandam a inveja dos outros. Desse modo, o que conta não é ser feliz e sentir-se bem, mas é parecer invejavelmente feliz e de bem com a vida. 

Como esse “espírito de Natal” pode ser mantido ao longo do ano, de maneira genuína e coerente?

Primeiro: não devemos associar à ideia de consumismo que, infelizmente, está tão ligada a essa época de final de ano. A ideia de comprar, como forma de presentear alguém, não vejo como algo negativo. O consumo faz parte da nossa sociedade, mas consumir apenas por consumir, gera um sentido vazio, sem valor. Por outro lado, a arte de presentear, escolher e entregar o presente para alguém que consideramos especial, tem um simbolismo interessante, porque escolho algo que relaciono meu sentimento com a pessoa. É uma forma de dizer para o outro: isso pontua nossa relação de tal maneira. 

Em segundo lugar, esse momento é interessante para exercitar a tolerância. O que não tolero no outro é aquilo que me afeta de modo mais íntimo que, às vezes, não quero assumir para mim mesmo. Tolerar a diferença exige um momento de elaboração muito intenso e profundo, que poucos de nós estamos dispostos a enfrentar. Por isso, a meu ver, estamos cada vez mais intolerantes, o que nos torna mais individualistas e com medo do próximo.

 

Asscom | Grupo Tiradentes

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