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A mulher e o feminicídio injustificado ainda em 2020

Pesquisas revelam que Sergipe lidera estatisticamente com alarmantes índices de violência contra a mulher

às 22h17
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Pesquisas revelam que, apenas nos dois primeiros meses de 2020, o estado de Sergipe passou a liderar nacionalmente o ranking de violência contra a mulher. Para especialistas em estudos comportamentais, fatores como o machismo arraigado à cultura latina ou mesmo à incompreensão do fim do relacionamento podem representar justificativas para o injustificável.

A avaliação do preocupante cenário aponta o Brasil como o quinto país que mais mata mulheres no mundo, o primeiro em casamentos infantis. Enquanto vivermos numa sociedade desigual, machista, teremos violência de gênero – contra mulheres. E é indispensável o olhar interseccional, ou seja, fazendo o recorte de raça e etnia. A mulher negra é visivelmente mais vulnerável no resultado das pesquisas.

A violência de gênero, feminicídio e Direitos Humanos das mulheres ainda trazem índices tão alarmantes, porque vivemos numa sociedade estruturalmente patriarcal, desigual e machista. Já as violências simbólicas, verbais, morais, sexuais, físicas e patrimoniais acontecem com o tempo na relação abusiva, e geralmente o feminicídio ocorre quando o parceiro não aceita o rompimento da relação, ou seja, com a separação.

Ao fazer uma comparação sobre o aumento alarmante de atos de violência contra a mulher e a necessidade do isolamento social, pesquisadores reconhecem que o isolamento contribui para que as vítimas fiquem mais vulneráveis, já que estão distantes do seu meio social, da sua possível rede de apoio e proteção. O problema chama a atenção para a grande responsabilidade da sociedade/vizinhança para de alguma forma ajudar as vítimas.

Quanto à maior visibilidade dos casos como um dos fatores de elevação dos índices estatísticos se comparado à realidade cotidiana de ocorrências em Sergipe, percebe-se que, desde o advento da Lei Maria da Penha, se tem dado maior visibilidade para as violências no âmbito doméstico, cenário até então, privado, em que se dizia que “em briga de marido e mulher, não se metia a colher”.

Confinamento

Ao analisar a relação existente entre a violência contra a mulher e a pandemia, a professora do curso de Direito e do Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes, Grasielle Vieira, observa que o país já tem um altíssimo índice de violência doméstica contra meninas e mulheres. Com o isolamento social, isso certamente só iria piorar.

“Embora estar em casa seja seguro para evitar a propagação do coronavírus, para muitas mulheres e meninas, a segurança do lar é ceifada pelo aumento da intensidade da convivência com agressores e abusadores. A casa passa a ser o local mais perigoso, pois é onde ocorre a maioria dos atos de violência, abusos sexuais e feminicídios”, reconhece Grasielle.

A professora esclarece ainda, de acordo com a nota técnica “Raio x da violência durante o isolamento”, do Ministério Público de São Paulo – Núcleo de Gênero, que o número de mulheres assassinadas em casa quase que dobrou durante a quarentena. Os pedidos de medidas protetivas de urgência aumentaram em 29% e o de prisões em flagrantes dos agressores em 51%. Sabe-se, por meio de números da Justiça do Rio de Janeiro, que já houve um aumento de 50% nos casos de violência doméstica na quarentena.

“Apesar de estarmos atravessando ainda o período da quarentena, em que não sabemos quando irá acabar, temos números altos e preocupantes. Além de tudo, muitos casos não são denunciados, tornando-se uma cifra oculta”, pondera a advogada membro do Grupo de Pesquisa Gênero, Família e Violência.

Ainda sobre a nota técnica do MP de São Paulo, Grasielle lembra que  o desemprego é classificado como um fator de risco de violência aplicado na pandemia da COVID-19. Outros fatores são o isolamento social da vítima, uma vez que está afastada da família e dos amigos, dificultando os pedidos de ajuda, o consumo de álcool e drogas e o comportamento controlador do companheiro.

Outro vetor importante são as consequências econômicas da pandemia, que afetam diretamente a renda das mulheres, em primeira instância, as trabalhadoras informais, assim como as trabalhadoras domésticas e cuidadoras de crianças durante os fechamentos das escolas.

“Esse impacto econômico pode adicionar barreiras para deixar o parceiro mais violento. Por outro lado, aumentam a tensão dentro do lar que sobrecarregam as mulheres, recaindo sobre os seus ombros a responsabilidade exclusiva de cuidar da casa e dos filhos, fruto de uma cultura patriarcal, que nos remete a um problema estrutural da sociedade. Além de tudo, muitas dessas mulheres ainda precisam trabalhar de forma remota e cuidar das crianças em casa ao mesmo tempo”, explica a integrante do Grupo de Pesquisa Gênero, Família e Violência, para quem o crescimento da violência doméstica passou a ser uma realidade, uma vez que as mulheres, filhas e filhos, em situação de violência, estão mais vulneráveis e com chances limitadas de pedir ajuda.

A sociedade contra o feminicídio

O isolamento social não pode impedir o enfrentamento da violência familiar contra a mulher. Apesar de estarmos isolados, é preciso que as vítimas saibam que não estão sozinhas. Parte da sociedade está isolada em casa, e, com a proximidade de lares, está percebendo que isso não é um problema invisível, mas real.

ONGs e institutos se mobilizam no sentido de conscientizar a sociedade por meio de hashtag nas redes sociais, a exemplo das #IsoladasSimSozinhasNunca e #CuidemosDelas, que incentivam que testemunhas denunciem atos de violência e que além disso ofereçam ajuda.

Outras formas de participação é a divulgação de como buscar ajuda por meio do Ligue 180 (a Central de Atendimento à Mulher funciona 24 horas com suporte para vítimas e testemunhas), divulgação de cartilhas de como se proteger e quais os direitos da mulher protegidos por lei.

É importante também estarmos sensíveis para perceber casos de violência e nos mobilizar na oferta de ajuda às mulheres, no contexto das vizinhanças, com redes de ajuda e apoio.

Defesa legal e recursos de defesa

A Lei Maria da Penha, com todas as suas medidas de proteção/estruturação da rede de proteção, veio sinalizar que este é um problema de todas e todos e que cabe também à sociedade interferir, não só ao Estado. Com isso, muitas vítimas conseguiram pedir ajuda, e vários projetos foram implementados, como por exemplo, a Ronda Maria da Penha, aplicativos com pedidos de socorro, entre outros.

A violência contra a mulher sempre existiu, as mulheres eram mortas por seus companheiros, mas havia uma romantização destas condutas, justificando-se que o companheiro matava por amor, sendo muitas vezes, absolvido do crime.

Em 2015, a legislação penal foi alterada para incluir o feminicídio como qualificador do crime de homicídio, inclusão simbólica e necessária.

Impactos psicológicos

Sobre os aspectos psicológicos envolvendo mulheres abusadas na infância, psicólogos afirmam que as relações abusivas geram efeitos devastadores na vida das vítimas e de filhos e filhas, que são considerados vítimas secundárias. Um dos efeitos disso é o comportamento violento do menino, quando se tornar adulto, e a submissão e passividade da menina, também na fase adulta, aceitando e confundindo a violência com afeto e amor.

A violência familiar reverbera em todos os seus integrantes. É indispensável a contribuição dos Direitos Humanos, tanto para proteger as vítimas e os filhos, quanto para estruturar políticas públicas que previnam novas violências e, ao mesmo tempo, que responsabilize o autor para além da punição, ou seja, que ele possa efetivamente entender o que o leva a praticar violências de gênero (contra o gênero feminino) para que possa ressignificar esses padrões de comportamento, frutos de uma sociedade machista, que inferioriza o gênero feminino.

Vale salientar a importância dos grupos reflexivos para autores da violência doméstica como um caminho possível para o rompimento do ciclo da violência e a restauração dessas relações, em novas composições familiares ou nas mesmas.

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