O início da Semana Santa foi marcado por uma sequência de fatos que estremeceram a crônica política brasileira. O principal deles foi inédito: a renúncia simultânea dos comandantes das três Forças Armadas: o general Edson Leal Pujol, no Exército; o almirante Ilques Barbosa Júnior, na Marinha; e o brigadeiro Antônio Carlos Moretti Bermudez, na Aeronáutica. Eles entregaram os cargos na manhã da última terça-feira, 30, um dia após o presidente Jair Bolsonaro demitir o general Fernando Azevedo e Silva do Ministério da Defesa, instância máxima militar do Brasil, e substituí-lo pelo general Walter Braga Netto.
A professora Clara Cardoso Machado, do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da Universidade Tiradentes (unidade Sergipe), explica que o poder de afastamento e nomeação dos comandantes militares é uma prerrogativa do Presidente da República, que também é comandante-em-chefe das Forças Armadas, conforme o artigo 142 da Constituição Federal. O mesmo artigo afirma que “a Marinha, o Exército e a Aeronáutica são instituições permanentes, regulares e organizadas com base na hierarquia e na disciplina sobre a autoridade suprema do Presidente”.
Contudo, as circunstâncias da renúncia coletiva, a primeira desde 1985, geram controvérsias e a fazem ser considerada a pior crise enfrentada nas Forças Armadas desde outubro de 1977, quando o então ministro do Exército, general Sylvio Frota, foi demitido pelo presidente Ernesto Geisel depois de criticar publicamente o processo de abertura política. Diferente daquela época, aponta-se que o motivo das demissões seria uma recusa dos comandantes em manifestar apoio político às ações do presidente Bolsonaro, num hipotético enfrentamento dele às medidas de isolamento social contra o coronavírus, decretadas pelos governadores dos estados e chanceladas por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
A postura dos comandantes, conforme Clara, também está de acordo com o que diz a própria Carta Magna. “O Presidente da República não pode exigir outra coisa dos comandantes senão a obediência ao texto constitucional. A nossa Constituição diz claramente, no Título 5, que a função das Forças Armadas está inserida dentro da ‘defesa do Estado e das instituições democráticas’. Não é função das Forças Armadas servir aos interesses políticos do Presidente. Não existe um dispositivo expresso na Constituição para coibir isso, mas existem princípios. O próprio princípio democrático vai coibir uma atitude como essa, e não à toa que a renúncia ocorreu”, diz ela, avaliando que os três comandantes teriam tomado a decisão por acreditarem que o presidente estaria se excedendo nos pedidos.
Sem rupturas
Outro motivo de controvérsia está em possíveis consultas de Bolsonaro sobre a hipótese de decretar ‘estado de sítio’ ou ‘estado de defesa’, dispositivos da Constituição que suspendem temporariamente a vigência de direitos constitucionais e o funcionamento dos poderes Legislativo e Judiciário. A professora da Unit esclarece que as duas medidas têm que ser justificadas e autorizadas pelo Congresso Nacional, e não permitem o uso livre das Forças Armadas. “O estado de defesa tem como objetivo a manutenção da ordem pública e da paz social, quando tem uma grave instabilidade institucional ou calamidade de grande proporção da natureza. Para isso, o presidente tem que ouvir o Conselho da República, o Conselho de Defesa Nacional, e esse decreto também vai passar pela verificação do Congresso. O decreto é para localidades certas e não se aplica a esse momento de pandemia. Para o estado de sítio, o presidente tem que solicitar a autorização do Congresso”, diz Clara, pontuando que não acredita em apoio do Parlamento a estas medidas de exceção.
Os meios políticos demonstram publicamente o temor de que as Forças Armadas sejam novamente usadas para uma ruptura institucional, a exemplo da ocorrida em 31 de março de 1964, quando as tropas se movimentaram para depor o então presidente João Goulart. Curiosamente, este fato completou 57 anos nesta quarta-feira, 31. Clara Machado também não acredita que os militares se envolveriam novamente em situações semelhantes. “A gente tem hoje nas Forças Armadas um perfil mais coerente com o Estado Democrático de Direito. Elas sempre foram uma instituição muito unida. Creio que esse ato simbólico de renúncia significa que o próprio Exército, a Marinha e a Aeronáutica, não comungam com posicionamentos arbitrários que vêm sendo tomados por parte do chefe do executivo”, concluiu ela.
Novos comandantes
Os novos comandantes das Forças Armadas foram anunciados ao final da tarde desta quarta-feira, 31, pelo ministro da Defesa. Para o Exército, foi escolhido o nome do general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, atual chefe do Departamento-Geral de Pessoal (DGP) da corporação. Na Marinha, assume o almirante de esquadra Almir Garnier Santos, que era secretário-geral do Ministério da Defesa. E na Aeronáutica, o comandante será o brigadeiro Carlos Alberto Batista Júnior, atual comandante-geral de apoio (logística) da corporação. “A Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea brasileira se mantêm fiéis às suas missões constitucionais de defender a pátria, garantir os poderes constitucionais e as liberdades democráticas”, assegurou o general Braga Netto.
Ascom | Grupo Tiradentes
com informações da Agência Brasil
atualizado em 31/03/2021, às 20h05, para acréscimo dos nomes dos novos comandantes