A pandemia do novo coronavírus gerou vários impactos em toda a sociedade mundial e não poupou um aspecto que muitos ainda não conseguem levar em conta: a saúde mental das crianças e adolescentes. Confinados em casa e sem poder ir presencialmente à escola, os pequenos ficam mais vulneráveis à mudanças repentinas de comportamento, tanto dos pais quanto deles próprios.
Em agosto do ano passado, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a Federação das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) fizeram uma pesquisa com 1.525 profissionais do ramo em todo o país. Nela, 88% dos pediatras relataram ter atendido crianças com alterações de comportamento durante a pandemia. A mais comum, descrita por 75% dos médicos, se refere a oscilações de humor, isto é, crianças que eram felizes e ativas passaram a ficar taciturnas e retraídas.
“O impacto na saúde mental dessas crianças é muito grande, uma vez que elas estão numa fase de desenvolvimento natural, precisam de contato social e de interagir com outras pessoas. Infelizmente, diante dessa pandemia, elas estão sendo privadas desse tipo de atividade de convívio. Isso resulta numa série de consequências no desenvolvimento da criança como um todo, refletindo na sua saúde mental”, considera a professora Camille Cavalcanti Wanderley, do curso de Psicologia do Centro Universitário Tiradentes (Unit Alagoas), que é especialista em orientação parental e também coordena a rede estadual de Atenção às Vítimas de Violência Sexual (Ravvs), em Alagoas.
De acordo com ela, alguns comportamentos e atitudes das crianças podem ser observados, como ansiedade elevada, medo, tristeza, irritação, crises de choro, hiperatividade e desinteresse pelas atividades, entre outros. “Esses são alguns sinais que os pais e responsáveis devem estar atentos e, dessa forma, procurar ver estratégias para poder auxiliar essa criança diante desse novo cenário, dessa nova realidade que estamos vivendo”, afirmou Camille, ressaltando que essas mudanças são potencializadas pela retirada das crianças de espaços sociais, como a escola.
“A criança tem a família como primeiro contato social, importante para desenvolver habilidades de convivência na sociedade e a escola como sua segunda referência, onde ela precisa ter novas experiências para buscar a sua autonomia e o desenvolvimento de sua própria identidade. Com a retirada desse espaço, ela passa a não ter uma forma de expressar, se conhecer, entender os seus próprios limites e se reconhecer enquanto indivíduo que está em fase de estruturação”, afirma a professora.
Estresse familiar
As situações de desequilíbrio acabam envolvendo a própria família que, segundo Camille, também se vê forçada a alterar suas rotinas de vida e de trabalho por força das medidas de isolamento. Para ela, as crianças acabam em contato com os níveis de estresse e ansiedade, que são aumentados no ambiente familiar por força do acúmulo de demandas da casa e do trabalho dos adultos.
Daí surgem situações mais graves, como agressões físicas, verbais e até sexuais, cometidas tanto pessoalmente quanto através da internet, ambiente no qual elas têm passado mais tempo, devido à falta de um acompanhamento mais cuidadoso dos pais. Nem sempre esses casos têm chegado ao conhecimento das autoridades. “Há subnotificação nos casos de violência contra a criança, porém os serviços especializados observam que está acontecendo. Como ela não tem a escola, que geralmente é o seu ponto de refúgio e denúncia, esse tipo de violência dentro da própria casa não está refletindo dentro da epidemiologia do Brasil”, alertou.
Além de ficarem mais atentos aos sinais de mudança de comportamento em seus filhos, Camille Wanderley sugere que os pais e responsáveis busquem orientação parental e ajuda psicológica, caso não estejam conseguindo lidar com estas mudanças e com o comportamento de meninos e meninas. “A orientação é importante para que esses adultos tenham estratégias para lidar com as suas crianças, com o momento que eles estão vivendo, reconhecendo seus sentimentos e procurando ter um ambiente familiar mais harmonioso. Cada família tem uma dinâmica diferente. É importante a gente avaliar essa estrutura, as condições que essa família vive, quais são os recursos que ela possui para que a gente possa propor estratégias e melhorar a convivência dos pais e das crianças e adolescentes nesse momento difícil”, define a psicóloga.
Ascom | Grupo Tiradentes
com informações da Sociedade Brasileira de Pediatria