Há 79 anos, no fim da noite do dia 15 de agosto de 1942, o estado de Sergipe se viu no epicentro, até então, da maior tragédia brasileira na Segunda Guerra Mundial. O navio de carga e de passageiros intitulado Baependi foi torpedeado por um submarino alemão U-507 a cerca de 37 km da costa sergipana. O fato causou tanta comoção nacional, que levou o Brasil a sair da sua neutralidade formal para declarar guerra ao Eixo no final daquele mesmo mês.
Além do Baependi, mais seis embarcações foram atacadas em Sergipe e na Bahia nos dias subsequentes. No total, 551 pessoas perderam a vida na costa sergipana, dessas, 270 estavam a bordo do Baependi. O torpedeamento dos navios alterou totalmente a rotina dos aracajuanos, que se sentiam na condição de vítimas da guerra submarina. Os pouco mais de 100 mil aracajuanos passaram a conviver com o sentimento de luto e medo diariamente e as lembranças de uma época tão desoladora foi contada e repetida por quem viveu de perto uma das maiores tragédias da história de Sergipe.
A pedagoga Marluce de Souza Lopes cresceu ouvindo as histórias do acontecido dos seus pais. “Eram relatos muito emocionados, foi algo que fez parte da vida dele e da minha mãe, era uma rotina de horror. Os episódios que permeiam a segunda guerra se fazem muito presentes até hoje na minha família”, revela Marluce.
“Meu pai era funcionário da Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro e trabalhava embarcado. Era da marinha mercante e depois foi incorporado à marinha de guerra. Na madrugada do torpedeamento meu pai não estava no navio Baependi, mas ele vinha em um outro que seguia a mesma rota. Por sorte, o navio em que ele estava sofreu uma avaria e precisou parar no porto de Ilhéus para ter reparos”.
Além disso, três primas da mãe dela voltavam a Sergipe após 10 anos com os dois filhos. Nascidas em Maruim, a chegada marcava um reencontro familiar que acabou nunca acontecendo. “Todos morreram no torpedeamento. Minha mãe me contava sempre como a notícia chegou para ela. Era um dia muito festivo, todos estavam felizes com a volta dos familiares. Mas quando o dia amanheceu, chegou a notícia do torpedeamento e dos corpos chegando às praias da cidade. Foi um período muito difícil, se espalharam na cidade diversos relatos das pessoas que sobreviveram. Aquele episódio marcou muito minha família e até hoje essa história circula dentro da minha casa por conta dessa proximidade que tivemos”, afirma Marluce.
Naquela época, Aracaju passou a viver sob um estado constante de alerta com toques de recolher, blecautes, ensaios antiaéreos e militares norte-americanos e brasileiros de outras regiões. Além disso, as praias do litoral sergipano foram tomadas por destroços e símbolos da barbárie nazista. Corpos das vítimas, pertences dos passageiros e tripulantes e sobreviventes em estado de choque chegaram às praias de Mangue Seco, Abaís, Caueira, Mosqueiro, Aruana e Atalaia.
Estudantes do curso de Comunicação Social – habilitação em Jornalismo da Universidade Tiradentes realizaram uma série especial sobre o assunto para o jornal laboratório, exibido em canal aberto por meio da TV Atalaia (Record TV), Unit Notícias. A seguir, um dos episódios trata do Baependi:
Consequências da II Guerra em Sergipe
As consequências da guerra também atingiram a economia e o desenvolvimento da cidade. A professora tutora dos cursos de Pedagogia e História da Unit, Eunice Aparecida Borsetto relata que os aviões do aeroclube, passaram a sobrevoar principalmente a costa de Aracaju, Estância e Itaporanga, em busca de cadáveres, levando médicos para os primeiros socorros aos sobreviventes.
“Soldados vigiavam as praias impedindo que pessoas retirassem pertences que chegavam a praia, resgatavam sobreviventes e enterravam os mortos. A população indignada, se revoltou depredando residências, indústrias e comércio de pessoas simpatizantes do nazi-fascismo, “quintas colunas”, a exemplo de Nicola Mandarino e dos frades alemães do Convento de Santo Antônio”, explica Eunice.
Um dos marcos da guerra existentes até hoje em Sergipe foi tombado como patrimônio histórico pelo Decreto nº 2.571/1973. O Cemitério dos Náufragos, localizado na praia de Aruana, é considerado o único memorial em território brasileiro a concentrar vítimas da Segunda Guerra Mundial. Ele foi fundado pelo médico Carlos Moraes de Menezes, um dos responsáveis por ajudar feridos e enterrar os mortos que chegavam à praia após o bombardeio.
A professora Eunice completa que o cemitério guarda a história e a memória de muitas famílias sergipanas marcadas por perdas de vidas de entes queridos e que reviver esse momento através do estudo e da pesquisa é de fundamental importância para o contexto sociocultural da atualidade. “Acredito que estudar a história nos dá uma base para reflexão e compreensão do nosso papel na sociedade, principalmente neste momento em que estamos vivendo uma polarização em nosso país, e a importância da luta contra o preconceito e o nazi-fascismo que levaram à morte milhões de pessoas inocentes”.
*Atualizado em 24/08/2021, às 11h02.
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