Um mergulho na história e no legado de personagens que ajudaram a moldar a trajetória e a identidade do Brasil como nação independente. Esta é a proposta do historiador e jornalista Ivan Alves Filho, autor de 22 livros e diretor de 40 documentários sobre personalidades históricas brasileiras. Ele esteve em Aracaju entre os dias 23 e 24 de novembro para divulgar o seu trabalho Memorial dos Palmares, que faz uma ampla pesquisa e reflexão sobre o Quilombo dos Palmares, que existiu entre 1630 e 1695 na região da Serra da Barriga, em Alagoas, e foi considerada, no Brasil Colônia, como a maior comunidade de negros escravizados que fugiam de fazendas em busca de liberdade.
A vinda teve o apoio da Universidade Tiradentes (Unit) e da Escola de Administração Pública e Gestão Governamental de Sergipe (Esapgese), ligada ao Governo de Sergipe. Ela contou com contou com encontros de divulgação no Campus Farolândia da Unit e no auditório da Secretaria de Estado da Administração (Sead). Em conversa com o Portal da Unit, o historiador destacou a figura de Zumbi, principal líder do Quilombo dos Palmares e morto no dia 20 de novembro de 1695, durante um ataque de bandeirantes paulistas.
Segundo ele, a figura histórica de Zumbi guarda conexão com a de outro importante personagem brasileiro: Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, líder e mártir da Inconfidência Mineira, que foi enforcado em 21 de abril de 1792, como punição imposta pelo então Reino de Portugal. Ambos têm os seus nomes escritos no Livro de Aço dos Heróis e Heroínas da Pátria, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Para o escritor, Zumbi e Tiradentes representam pontos de formação da nacionalidade brasileira
Ivan Filho explica que Palmares marcou a primeira luta entre classes sociais no Brasil. “Porque houve um desmoronamento do mundo tribal, do modelo mais igualitário, e no lugar ficou o escravismo. Saem as roças indígenas e o trabalho livre, entra o latifúndio e o trabalho escravizado. Palmares foi um dos sintomas de que alguma coisa tinha mudado a partir do impacto colonial. Tiradentes é o contrário: foi a tomada de consciência disso por uma contra-elite da época, um setor intelectualizado. Ali surge a ideia de brasilidade”, explica ele, referindo-se ao grupo de inconfidentes que se uniu em torno de Tiradentes, dentre os quais se destacavam os escritores Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga.
O historiador aponta também que a colônia já começou a tomar a forma da atual nação no intervalo de século entre o Quilombo dos Palmares e a Inconfidência Mineira, através da formação de um comércio interno que interligava as regiões. “Quando você pega a região canavieira de Pernambuco na época, o extremo sul de Pernambuco, são economias autárquicas, fechadas nela mesma. Tudo se produz ali dentro. Já a economia do ouro é uma economia que cria o mercado. O cara vem do Rio Grande do Sul para vender gado para o mineiro, outro vem do Rio de Janeiro para vender sal, o mineiro está concentrado no ouro… E ele passa a ver que aquelas regiões todas do país estão interligadas, que havia brasileiro na Bahia, em Goiás, no Rio de Janeiro e até em Minas Gerais. Então é nesse sentido que, se Palmares foi a classe social, a Conjuração Mineira foi a ideia de nação surgindo”, complementou.
O resgate histórico de Zumbi dos Palmares, muito avivado pela atuação dos movimentos negros, resultou em um desdobramento recente: a aprovação, na Câmara dos Deputados, de um projeto que transforma o dia 20 de Novembro, atual Dia da Consciência Negra, em feriado nacional. “Eu acho que isso tem um valor simbólico muito grande, ainda bem, porque aí o brasileiro vai redescobrindo a sua história”, opina Ivan.
O autor
Nascido no Rio de Janeiro, Ivan Filho é licenciado em História pela Universidade Paris-VIII (Vincenne) e mestre em História da América Latina, pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, onde também cursou os créditos de doutoramento. Entre as principais obras, está O caminho do alferes Tiradentes – uma viagem pela Trilha dos Inconfidentes, lançado no ano passado, em comemoração ao Bicentenário da Independência do Brasil, e De Oscar a Niemeyer, trabalho sobre o brasileiro Oscar Niemeyer, um dos principais nomes da arquitetura no mundo, de quem foi amigo pessoal.
Para o diretor da Esapgese, Wellington Mangueira, o trabalho de Ivan Alves Filho representa a mobilização pelo resgate da consciência negra e de valores como democracia e liberdade. “Está na ordem do dia a questão da negritude, da consciência negra, e é isso que faz com que nós mobilizemos as pessoas para discutir essa questão, porque o Brasil, como Jorge Amado já gostava de dizer, basta clarear um pouquinho a pele, já não quer ver as nossas origens, e ele vai a fundo, trata do assunto com rigor científico e com a sensibilidade de um brasileiro que estuda a história do Brasil”, destacou Mangueira.
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