Brincadeiras sem graça, apelidos depreciativos, intimidações, agressões e outros constrangimentos que se repetem com certa insistência e constância. Assim é o bullying, prática que sempre foi recorrente nas escolas, mas passou a ser mais combatida nos últimos tempos. Agora, esse combate foi reforçado pela Lei Federal 14.811/2024, sancionada no último dia 15 de janeiro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ela tipifica o bullying e sua variação digital, o cyberbullying, como crimes previstos no artigo 146-A do Código Penal.
O crime, chamado de intimidação sistemática, consiste em “intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais”. A punição para o bullying, praticado presencialmente, é o pagamento de uma multa. Já para o cyberbullying, isto é, “se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real”, a pena será de dois a quatro anos de prisão.
Para o professor Ronaldo Marinho, do curso de Direito da Universidade Tiradentes (Unit), essa mudança já era esperada desde 2011, quando as duas práticas foram tipificadas legalmente. “Acontece que nós tínhamos essa dificuldade de enquadramento da conduta e de responsabilização penal do autor do fato, porque a legislação era falha. Essa mudança veio quebrar a falha, possibilita enquadrar adequadamente a conduta daquele autor e responsabilizá-lo, porque esse drama leva a uma série de outras consequências da vida dessas crianças e adolescentes. Impacta não só a qualidade de vida delas e das suas famílias, mas também o próprio futuro dessas crianças, e às vezes levando as até a atos extremos”, alerta.
Uma destas consequências está nos massacres e tentativas de assassinatos ocorridos em escolas de vários países em todo o mundo. Somente no Brasil e apenas em 2023, foram 10 ataques em escolas, que resultaram em nove mortos e 23 feridos. Em boa parte dos casos, os autores dos crimes alegaram ter sido vítimas de bullying, tinham outros problemas psicológicos e, em alguns deles, teriam sido estimulados por outros criminosos em fóruns e grupos clandestinos na internet e nas redes sociais.
Tais condutas também terão um tratamento penal mais rígido. A nova lei alterou o artigo 1º da Lei de Crimes Hediondos (8.072/1990), incluindo os crimes de sequestro e cárcere privado contra menor de 18 anos, tráfico de crianças ou adolescentes e indução, instigação ou auxílio ao suicídio ou automutilação por meio da Internet, rede social ou transmitidos em tempo real. Agora, eles passam a ter um aumento da pena em dois terços e um cumprimento mais rigoroso da reclusão, que começa no regime fechado e exige um tempo maior para a progressão de regime.
“Nós temos verificado um aumento desses tipos de conduta, e eles precisavam ter uma responsabilização penal mais grave. Quando ele faz assim, faz com uma dimensão muito maior com crianças de todo o país, às vezes fora do país. Nós temos situações em que essas crianças têm um sofrimento muito grande e algumas chegam relatar as suas famílias o que está sofrendo, mas grande parte delas não”, disse Ronaldo, alertando que estes crimes podem ser uma chamada “conduta de onda”, isto é, que pode estimular outros adolescentes a cometê-los igualmente. “Agora, você tem uma responsabilização muito mais rigorosa para o autor desse tipo de homicídio. Eu acho que foi uma mudança significativa e que traz um dado importante, chamando a atenção da sociedade para o problema”, completa ele.
Dois artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também foram alterados. Um deles, pune com até quatro anos de prisão o pai, mãe ou o responsável legal que deixar de comunicar às autoridades o desaparecimento de criança ou adolescente. Outro determina que todos os estabelecimentos educacionais e similares que atendam a crianças e adolescentes, sejam eles públicos ou privados, devem manter fichas cadastrais e certidões de antecedentes criminais atualizadas de todos os seus colaboradores. A regra também vale para as instituições sociais públicas ou privadas que atuem no setor e que recebam recursos públicos.
Políticas de prevenção
Além de endurecer a punição ao bullying, ao cyberbullying e aos crimes relacionados a massacres escolares, a Lei 14.811/2024 institui a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente, com medidas de prevenção e combate à violência nos ambientes escolares. Segundo a lei, ela deve ser elaborada a partir de uma conferência nacional a ser realizada, mas deve seguir uma série de objetivos, como aprimorar a gestão das ações, fortalecer as redes de proteção, garantir o atendimento especializado e capacitar os profissionais envolvidos na área, entre outros.
O professor Ronaldo Marinho destaca a importância deste Plano Nacional para envolver a sociedade e as autoridades como corresponsáveis nesta causa, além de determinar a criação e a implementação destas políticas de prevenção nas próprias escolas. “Esse plano nacional vai estabelecer uma responsabilidade dos municípios, com vários atores sociais e a sociedade civil organizadas, criando um plano de segurança. Esse plano busca justamente evitar esse tipo de situação, possibilitando que você chame a sociedade civil e responsabilize as escolas e o município por esse trabalho de prevenção a violência nas escolas”, pontua.
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