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Entenda as origens profanas (e sagradas) do Carnaval

A festa popular surgiu dos ritos pagãos e passou a ser determinado pelo calendário católico, mas manteve o espírito de comemoração anterior à Quaresma

às 11h20
O Carnaval em Aracaju foi marcado pelos bailes de clubes e por desfiles de blocos nas ruas, a exemplo do Rasgadinho, criado em 1962 (Pedro Leite/PMA-Arquivo)
O Carnaval em Aracaju foi marcado pelos bailes de clubes e por desfiles de blocos nas ruas, a exemplo do Rasgadinho, criado em 1962 (Pedro Leite/PMA-Arquivo)
O carnaval antecede a Quarta-Feira de Cinzas, que marca o início da Quaresma, e motiva muitos cristãos a fazerem em retiros religiosos de preparação para a data (Divulgação/Arquidiocese de Aracaju)
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“Vamos correr as ruas da cidade / com o ardor da nossa mocidade / nestes três dias tão cheios de venturas / em que a gente esquece da vida as amarguras”. Esta definição vem dos versos do frevo “Carnaval da Vitória”, composta em 1946 pelo maestro pernambucano Nelson Ferreira (1902-1976), ainda sob a vibração coletiva pelo fim da Segunda Guerra Mundial, um ano antes. Ela ajuda a traduzir um dos significados e objetivos mais evocados daquela que se tornou a maior festa popular do Brasil. De lá para cá, os três dias de folia tornaram-se cinco, começando já na sexta-feira e, em algumas cidades, invadindo até a manhã da Quarta-Feira de Cinzas. 

Apesar de ser visto como uma festa tipicamente brasileira, o Carnaval vem de muitas épocas e muitos lugares. Sua origem é associada às festas pagãs da Grécia Antiga e do Império Romano, na qual eram festejados os deuses associados ao vinho, à comida e à sexualidade, como Pan, Baco e Dionísio. Com o crescimento do domínio da Igreja Católica, ao longo dos séculos 4 e 5 d.C, foi acontecendo o que muitos chamam de “cristianização” da data, isto é, as populações adequaram essas festas para acontecer sempre antes da Quaresma, período de 40 dias anterior às celebrações da Semana Santa e da Páscoa. 

O calendário católico passou a ditar as datas do Carnaval, por decisão do então Papa Gregório I (540-604). Ele determinou que a Páscoa deve ser comemorada no primeiro domingo após a primeira lua cheia da Primavera no Hemisfério Norte (Outono no Hemisfério Sul). Neste ano de 2024, esse domingo cairá em 31 de março. Logo, contados os sete dias da Semana Santa e os 40 dias da Quaresma, a Quarta-Feira de Cinzas será em 14 de fevereiro; e o Carnaval começa nesta sexta-feira, 9, terminando (ou não?) na terça-feira, 13. 

Foi exatamente desta “cristianização” que veio o nome Carnaval, cuja etimologia é atribuída à expressão latina carne vale (adeus à carne) ou à italiana carne levare (retirar a carne). “A Quaresma já existia antes dela ressignificar o Carnaval. Durante esse período de 40 dias, as pessoas fazem penitências, jejuam e muitos não comem carne. Tem muito a ver com os 40 dias que Jesus passou em jejum e oração no deserto, e com os 40 anos que Moisés e os hebreus também passaram caminhando pelo deserto”, contextualiza Rosângela Maia, coordenadora da Capela da Universidade Tiradentes (Unit). 

Rosângela acrescenta que muitos fieis aproveitam a data para fazer os chamados “retiros de Carnaval”, encontros nos quais eles se afastam das festas e se dedicam à oração, louvor e reflexão. “O período de carnaval é um momento de preparação para o período quaresmal, para esses 40 dias que a igreja passa com seus fieis. Tem grupos que realmente fazem aquele momento de um ‘carnaval cristão’, sem bebida, com alegria, danças… E tem retiros que são de silêncio, outros são mais de oração, de reflexão”, explica.

Festas

Por outro lado, o Carnaval passou a ser comemorado amplamente, com o uso de máscaras e fantasias em meio a festas com música, sátiras e muita bebida. Ele chegou ao Brasil através dos portugueses, que trouxeram o chamado Entrudo, cortejo no qual as pessoas atiravam bolinhas de cera com água ou urina contra as outras, que revidavam. “O carnaval, desde o período colonial, era celebrado como uma brincadeira que atingia desde fazendeiros, nobres e escravos. O que serve como base para o carnaval ser visto por estudiosos como um período em que se apagam as diferenças e a alegria se apodera de todos os indivíduos independente de qualquer diferença”, afirma o professor Rony Rei do Nascimento Silva, do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPED) da Unit. 

Em Sergipe, os primeiros registros de comemoração do Carnaval foram os entrudos realizados no Século 17 em São Cristóvão e nas antigas vilas de Maruim e Laranjeiras. Já o carnaval de Aracaju surgiu a partir de 1894 com o bloco Batalhão 33, responsável pela organização dos foliões que tocavam instrumentos pelas ruas e gritavam “Viva o Zé Pereira!” A partir daí, outros pequenos blocos surgiram e passaram a desfilar junto com foliões em carretas e nos famosos “calhambeques” pelo centro histórico da capital, que à época ainda era uma pequena cidade. “Era possível ver não só os blocos espalhados pelas ruas e bairros, mas aproveitar o que se via como verdadeiro espírito do Carnaval, pois, além e acima de tudo isso, havia o carnaval com os desfiles da antiga Rua da Conceição, que hoje é o Calçadão da João Pessoa”, lembra Rony. 

Na segunda metade do Século 20, um dos destaques do Carnaval em Aracaju foi o chamado “Clube do Povo”, na Praça Fausto Cardoso, com shows gratuitos e abertos à participação de todo o público. Também ficaram marcados os desfiles de blocos como Italianas, Bebé, Bloco da Paz, Rebu e Fera; e de escolas de samba como Império Serrano, Império do Morro, Império do Samba, Acadêmicos do Samba, Brasil Moreno e Tubarão da Praia. Mas muita gente frequentava os bailes de carnaval e matinês promovidos por grandes clubes da cidade, como Iate Clube, Cotinguiba e Associação Atlética. 

Entre as décadas de 1990 e 2010, pouquíssimos eventos de carnaval foram realizados, o que consolidou a capital sergipana como um local de descanso para pessoas que buscam fugir da agitação carnavalesca de Salvador, que é mais próxima a Aracaju. No entanto, o carnaval de rua passou a ser retomado na cidade com a formação dos “bloquinhos” e a retomada do “Rasgadinho”, bloco que surgiu em 1962 no bairro Cirurgia, ficou parado por 30 anos e voltou em 2002, com outras roupagens e perspectivas. 

“Em sintese, o Rasgadinho consistia em um iniciativa carnavalesca popular de lazer e diversão alternativas de um bairro periférico majoritariamente negro e composto por operários, situado para além do “traçado de Pirro”. Constitui-se no exercício de memória que trará à tona aspectos significados da memória daquela gente que só desejava, espontaneamente ‘brincar o carnaval’”, define o professor Rony. Ou, como no frevo de Nelson, “esquecer da vida as amarguras”. 

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