Em um mundo cada vez mais industrializado, a alimentação das crianças está se tornando um terreno fértil para o desenvolvimento de doenças crônicas. Um estudo recente, publicado na revista “Nature”, revelou que o consumo excessivo de alimentos ultraprocessados durante a infância aumenta significativamente o risco de obesidade na vida adulta.
Para entender a gravidade do problema, é preciso primeiro compreender o que são os ultraprocessados. São alimentos que passam por uma série de modificações industriais, com adição de conservantes, corantes, aromatizantes e outras substâncias que os tornam mais palatáveis, duráveis e atraentes. No entanto, essa manipulação os torna pobres em nutrientes e ricos em calorias, açúcar, gordura saturada e sódio.
“No passado recente, a alimentação humana tinha como base alimentos frescos, ricos em nutriente e fibras e sem aditivos químicos. Com a evolução tecnológica, foi possível manipular os alimentos para torná-los mais palatáveis, desejáveis visualmente e aumentar a durabilidade. O extremo da manipulação dos alimentos são os chamados ultraprocessados que são alimentos basicamente constituídos de químicos, ricos em açúcar e sal e com aditivos e corantes, sem praticamente nenhum nutriente essencial ou fibras e prontos para consumo”, explica o médico pediatra e cardiologista infantil e professor da Universidade Tiradentes (Unit), Marcos Alves Pavione.
O consumo regular de ultraprocessados leva a um aumento no risco de obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão, doenças do coração e câncer. “Os ultraprocessados por serem geralmente muito ricos em açúcar, aumentam os índices glicêmicos provocando picos de glicemia e consequente produção exagerada de insulina que força o acúmulo destes açúcares no tecido adiposo como forma de reserva, levando a obesidade”, completa.
Ciclo vicioso
A obesidade infantil é um problema preocupante no Brasil. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense), realizada em 2019, 33,1% das crianças entre 5 e 9 anos estão acima do peso. “São exemplos de alimentos ultraprocessados os refrigerantes, biscoitos, balas e doces, macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote, sucos e achocolatados de caixinha, congelados como nuggets, salsichas, pães industrializados, etc. Destes, o consumo de refrigerantes e sucos/achocolatados de caixinha lideram o ranking de consumo por crianças”, aponta Marcos.
Os pais são os principais responsáveis pela alimentação dos seus filhos. Por isso, é fundamental que eles estejam conscientes dos riscos do consumo de alimentos ultraprocessados e adotem medidas para oferecer uma dieta mais saudável para seus filhos.
“O bom hábito alimentar deve começar ainda no primeiro ano de vida. A manutenção da amamentação, bem como a transição da alimentação do leite para a dieta da casa de forma gradual e bem orientada por pediatra em consultas de puericultura podem evitar erros graves de introdução inadequada de alimentos no primeiro ano. Os pais devem aprender que os alimentos que vêm embalados no supermercado e prontos para consumo geralmente são mais processados. Devem dar preferência a alimentos frescos onde o preparo é feito em casa. A velha regra do desembalar menos e descascar mais ajuda na mudança de hábitos”, orienta.
Aliados contra a obesidade infantil
Os profissionais de saúde, de acordo com Pavione, também têm um papel fundamental na promoção de uma alimentação saudável para as crianças. “Os pediatras e profissionais de saúde são essenciais na educação nutricional e podem atuar como promotores de hábitos alimentares mais saudáveis por meio de orientação em consultas e acompanhamento adequado do peso das crianças em consultas de puericultura, visando prevenir as doenças cardiovasculares futuramente nestas crianças”, aconselha Marcos.
Investir em uma alimentação saudável desde a infância é essencial para garantir a saúde e o bem-estar das crianças no futuro. Ao evitar o consumo de alimentos ultraprocessados e adotar hábitos alimentares saudáveis, é possível prevenir a obesidade infantil e reduzir o risco de doenças crônicas na vida adulta.
“O ideal seria que estes alimentos não fizessem parte da dieta infantil. Não há uma taxa mínima segura, pois já se sabe que quantidades pequenas como 30% do total da dieta já são capazes de induzir obesidade e os males secundários”, finaliza.
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