As eleições de 2018 marcaram o Brasil com uma profunda divisão entre esquerda e direita. Discursos de ódio e desinformação tomaram conta das redes sociais, alimentando a polarização e a intolerância, além de trazer à tona uma série de desafios para o debate público, colocando em xeque a capacidade da sociedade de dialogar de forma cordial e construtiva. Em meio a esse cenário turbulento, surge a pergunta: como manter a cordialidade e o diálogo saudável em um ambiente tão hostil?
Para o advogado e professor de Direito Constitucional da Universidade Tiradentes (Unit), Maurício Gentil, a questão da desinformação durante as eleições tem sido uma preocupação crescente das autoridades eleitorais. Ele destaca a importância das recentes resoluções voltadas para o combate às fake news, ressaltando que a disseminação dessas informações falsas pode acarretar sérias consequências legais para os responsáveis.
“Uma das consequências apontadas é que, em caso de constatação de político, coligação ou partido que tenha disseminado fake news eleitorais, isso, comprovado no devido processo legal, pode gerar até mesmo a cassação do registro da candidatura ou do mandato, caso a eleição já tenha sido finalizada. Esta é uma medida importante que, se levada a efeito, tem o potencial de inibir essas práticas”, explica. No entanto, ele também destaca que é um grande problema a responsabilização das plataformas, para que sejam chamadas à responsabilidade de evitar que sejam utilizadas para a propagação em massa de fake news eleitorais.
Diálogo dialético
Nesse contexto, a máxima “gentileza gera gentileza” assume um papel fundamental. Segundo Gentil, o respeito mútuo no debate público e político é essencial para uma convivência harmoniosa, mesmo diante das divergências ideológicas. “Os políticos, em especial, têm essa responsabilidade de, como líderes, procurarem promover um debate público mais respeitoso e fraterno, e com isso, evitarem que seus liderados se sintam liberados para praticar discursos de ódio ou discursos mais radicalizados. Portanto, também é das lideranças essa responsabilidade de conterem seus seguidores, ao invés de incitá-los a essas práticas”, pontua.
É comum abrir as redes sociais e se deparar com muitos políticos atuarem não na contenção, mas sim na incitação aos discursos de ódio e na radicalização da manifestação em qualquer ambiente. Isso tem sido uma das grandes preocupações do sistema democrático contemporâneo. “O respeito é crucial em qualquer contexto; a tolerância, o tratamento respeitoso e a fraternidade nas relações são elementos essenciais para uma convivência social harmoniosa. Mesmo diante das tensões inerentes à complexidade das relações e das lutas sociais nas sociedades contemporâneas, é possível e necessário que tudo isso ocorra dentro de um ambiente de respeito às ideias divergentes, opiniões diversas, ideologias diferentes, e formas de encarar o mundo e visões variadas”, reforça.
A gentileza, de acordo com Maurício, pode ser uma estratégia importante para reduzir as tensões, uma técnica relevante utilizada hoje em dia nas mediações e na argumentação, dentro da mesma linha de que a divergência pode e deve existir numa sociedade plural e democrática. É importante haver diversos e distintos pontos de vista para que, num debate fraterno e dialético, possam ocorrer avanços. “O respeito e a empatia no diálogo, mesmo que firmes em relação aos posicionamentos, podem ser excelentes estratégias para promover o acolhimento e o aconchego, possibilitando a construção de soluções mais consensuais dentro de um debate democrático dinâmico”, elenca o advogado.
Limites e liberdade de expressão
É importante lembrar que a liberdade de expressão não é absoluta. Há limites legais e constitucionais que visam proteger a dignidade humana e a democracia. “A Constituição assegura a liberdade de manifestação do pensamento, independentemente de qualquer censura prévia. Não pode haver censura prévia à manifestação do pensamento que é livre, mas é vedado o anonimato, e a pessoa que expressa livremente seus pensamentos, ideias e opiniões se sujeita a uma responsabilização caso abuse no exercício dessa liberdade de expressão”, alerta.
O combate aos discursos de ódio é um desafio para a sociedade contemporânea. “Ao se expressar livremente, a pessoa não pode cometer crimes como calúnia ou difamação; se o fizer, pode ser responsabilizada criminalmente. Se a expressão de alguém ofende outra pessoa, ela pode ser processada civilmente pelos danos morais causados. Portanto, existem sim limites legais e constitucionais da liberdade de expressão, inclusive nas redes sociais”, diz.
O que não se admite é a censura prévia a essa liberdade de expressão. Ninguém pode impedir a veiculação de uma manifestação antes de conhecer seu conteúdo. Apenas posteriormente é possível fazer o controle e eventual responsabilização das pessoas que ultrapassaram os limites constitucionais da liberdade de expressão em qualquer ambiente.
“Assim, o problema dos discursos de ódio não é a falta de previsão normativa de instrumentos de combate a eles. Não é o problema, pois existem previsões legais que vedam o discurso de ódio e responsabilizam seus praticantes. O problema é que até que ocorra essa responsabilização, esses discursos de ódio, hoje em dia, amplamente utilizados e viralizados nas redes, causam danos imensuráveis à dignidade humana das pessoas que são vitimadas por esse discurso de ódio”, reitera.
Esse ambiente do discurso de ódio gera uma grave condição para a democracia que é constantemente buscada, conforme proposto pela Constituição brasileira. “Este é um dos grandes problemas da contemporaneidade: como lidar com os discursos de ódio, seja de forma preventiva, tentando evitar que ocorram, mas sabendo que podem surgir, seja tendo mecanismos ágeis que impeçam a ocorrência dos imensos danos que eles causam quando são orquestrados e viralizados”, reforça o advogado e professor de Direito da Unit, Maurício Gentil.
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