Os prédios e as ruas dos bairros mais antigos ajudam a contar a história de uma cidade. Elas fornecem pistas importantes sobre como cada município foi fundado e como ele foi se desenvolvendo ao longo dos anos. E muito mais que ter uma finalidade histórica, eles atraem muitos turistas e pessoas interessadas em mergulhar na alma, na cultura e na identidade local. Em muitas cidades brasileiras, dos chamados “centros históricos” são preservados e têm ainda uma movimentação relevante, com o funcionamento de repartições, empresas, comércios e serviços. Mas em outros municípios, estes imóveis estão relegados ao abandono e muitas vezes acabam demolidos, em razão da falta de interesse e de investimentos, associados a outros problemas urbanos.
“O termo ‘centro histórico’ é geralmente utilizado para determinar o núcleo de origem de uma cidade, o lugar de onde partem as demais áreas urbanas consolidadas através do tempo. Constitui as raízes da cidade e, geralmente, é onde estão os edifícios mais antigos e simbólicos de uma sociedade, possuindo valor cultural, social e turístico”, explica a professora Rosany Albuquerque Matos, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Tiradentes (Unit).
Na prática, toda cidade tem o seu centro histórico, ou seja, um local que serviu de origem para a sua aglomeração urbana. No entanto, de acordo com Rosany, nem todos têm o reconhecimento como patrimônio cultural, o que pode ser feito através da União, Estado ou Município, dependendo da abrangência de seus valores. “As cidades precisam ter seu centro histórico reconhecido pelo menos através do Plano Diretor Municipal, garantindo a captação de recursos destinados a sua preservação, de fundamental importância para identidade e história da sociedade. Essa proteção legal facilita a inclusão desses espaços em políticas públicas que vez ou outra são propostas”, diz Rosany, citando como exemplo o PAC Cidades Históricas, criado em 2009 pelo governo federal com o objetivo de manter e preservar o patrimônio histórico de diversas cidades brasileiras.
Muitas cidades pelo mundo dedicam-se fortemente à preservação e ativação de seus centros históricos, a exemplo de metrópoles europeias como Roma (Itália), Paris (França), Londres (Reino Unido), Lisboa (Portugal) e Madri (Espanha). Nestes locais, as áreas históricas chegam a ser cotadas como as mais valorizadas, além de fazerem parte dos principais roteiros de visitação turística.
No Brasil, algumas capitais experimentaram iniciativas bem-sucedidas de revitalização e preservação do patrimônio histórico. Em Recife (PE), o chamado Recife Antigo sedia o Porto Digital, um dos maiores polos de tecnologia e inovação do mundo. Outro exemplo é a Estação das Docas, em Belém (PA), onde os armazéns de ferro do antigo Porto foram transformados em espaços de gastronomia, cultura, moda e eventos. E no Rio de Janeiro (RJ), o projeto Corredor Cultural implementado a partir de 1984 preservou o centro histórico e criou o modelo de Área de Proteção do Ambiente Cultural (Apac).
Para a professora, os centros históricos das cidades têm muitas utilidades práticas, para além de ser um simples “museu” ou área cultural. Um dos caminhos é estimular o uso residencial dos imóveis presentes nestes bairros. “O centro histórico é um lugar vivo, carregado de símbolos e memórias, mas que continua desempenhando seu papel, sempre. Eu, particularmente, acredito que estimular a residência no Centro faz com que ele seja mais vivo, evitando horários de total abandono, como quando dedicado somente a comércio e serviços. O centro das cidades é a área dotada de melhor infraestrutura. Portanto, qualquer tipo de ocupação pode acontecer, vai depender de como”, afirma ela, pontuando que as políticas públicas para a conservação e revitalização dos centros históricos são necessárias para garantir o testemunho da história e da identidade de cada cidade. “Por respeito à memória das pessoas que os construíram e das que ainda estão por vir, garantindo assim o direito de conhecer o passado”, pontua Rosany.
Reformar ou restaurar?
Muitas pessoas costumam associar as restaurações de prédios históricos às obras de reforma, fazendo uma confusão entre os termos. No entanto, Rosany explica que se tratam de dois tipos de intervenção física completamente diferentes. “A restauração é um conjunto de ações realizadas em obras de arte ou edificações de valor cultural objetivando recuperar ou reparar partes deterioradas preservando os conceitos estéticos e históricos atrelados a ele. Portanto deve-se evitar ampliações, invenções ou qualquer tipo de intervenção que seja entendida como um ‘falso histórico’. Já na reforma, a intenção é corrigir, renovar, mudar a forma, trazendo inovações e melhorias, não importando que o resultado fique totalmente diferente do projeto original”, diferencia ela.
Em muitos imóveis, a manutenção e a conservação não acontecem da forma adequada, gerando a necessidade de uma obra de restauração, que reconstitui as suas características originais. “O ideal é que não haja necessidade de restaurar a edificação, que ações menos invasivas fossem suficientes para preservá-la, entretanto muitas vezes faz-se necessário ações restaurativas na tentativa de prolongar a vida do bem”, ressalta a arquiteta.
A restauração de imóveis é uma das atribuições do arquiteto e urbanista, e há disciplinas específicas para essa finalidade na grade curricular dos cursos universitários de Arquitetura e Urbanismo. No curso da Unit, o tema é tratado nas disciplinas Teoria e Técnicas Retrospectivas I e II, sendo que a primeira aborda a fundamentação teórica do restauro e a segunda trabalha com a aplicação desses conceitos na prática. “Os alunos desenvolvem projetos de intervenções no patrimônio edificado como atividade. Além disso, fazem viagens de conhecimento do patrimônio cultural e seminários específicos”, explica Rosany.
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