A última quarta-feira, 20 de novembro, registrou, pela primeira vez, a dedicação de um feriado nacional para o Dia da Consciência Negra. A data que relembra o dia da morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga (AL), foi estendida para todo o país por força da Lei 14.759/2023, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada em dezembro de 2023 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Até então, a data era comemorada como feriado local em seis estados e mais de 1 mil municípios.
A ideia do Dia da Consciência Negra surgiu em 1971, a partir de intelectuais e ativistas negros que formavam o Grupo Palmares, em Porto Alegre (RS). O objetivo foi enaltecer a figura de Zumbi e seu papel na luta contra a escravização de pessoas negras no final do século 17 – e pela qual o líder foi assassinado em 1695, ao enfrentar um ataque de bandeirantes paulistas contra o quilombo. A escolha também foi uma forma de destacar e divulgar a verdadeira história da luta dos negros pela liberdade, procurando contrapor-se ao que era ensinado até o momento sobre a presença e a cultura dos negros trazidos para o Brasil. Uma meta que ganhou força e alcance a partir das constantes lutas e reivindicações das pessoas negras contra o racismo.
Para o professor Ronaldo Marinho, do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Unit (PPGD), a lei federal um marco importante para consolidar uma data que já era referência dos movimentos negros e de direitos humanos. “O fato de se tornar feriado nacional potencializa a discussão sobre o tema, é colocado nos calendários das escolas por todo o país e contribui para a conscientização da população e enfrentamento ao racismo estrutural que ainda é uma chaga na sociedade. Esses efeitos práticos podem ser melhor aproveitados, chamando a sociedade civil e os órgãos públicos para intensificar campanhas de conscientização, reconhecimento da contribuição da população negra na formação da identidade nacional e da construção do país”, diz Ronaldo.
Entre os aspectos que foram bastante trabalhados durante as campanhas publicitárias, atos de rua, programas e reportagens veiculadas na mídia sobre o feriado da Consciência Negra, estão a valorização de pessoas negras que se destacam na sociedade, as pesquisas sobre racismo e letramento racial, a beleza da cultura negra e a ampliação do espaço da população negra na sociedade. Marinho acredita que isso já representa um efeito prático da lei que criou o novo feriado nacional, no sentido de fortalecer os esforços da sociedade e das autoridades na conscientização e no enfrentamento contra o racismo. “Entendo que, sozinha, a lei não trará mudanças, mas é um referencial de fortalecimento, incentivo e potencialização das políticas públicas sobre o tema, dando espaço à sociedade civil para divulgar seus trabalhos e a identidade da população negra”, considera.
Estas campanhas e iniciativas relacionadas à data foram ganhando mais espaço ao longo dos dias anteriores e posteriores, motivando a adoção de novembro como o “Mês da Consciência Negra”, já promovido anualmente por ativistas e movimentos sociais que lutam em favor da população negra brasileira.
O conceito
O conceito de “consciência negra” também surgiu em meio às discussões e atividades do Grupo Palmares, que foi um dos formadores do Movimento Negro Unificado (MNU) e se inspirava em outras duas grandes lutas antirracistas que estavam em evidência no final da década de 1960: o enfrentamento ao apartheid, regime racista que governava a África do Sul na época; e a campanha pelos direitos civis da população negra dos Estados Unidos, liderada por ativistas como Malcom X e Martin Luther King (respectivamente assassinados em 1965 e 1968).
Neste sentido, o caminho tomado pelos ativistas gaúchos foi o do reconhecimento, da afirmação e da valorização do negro na sociedade, em todos os seus setores. É o que o próprio Ronaldo define sobre o conceito do tema, mesmo considerando que fazer essa definição não é tarefa fácil e nem acabada. “Entendo que consciência negra é reconhecer a população negra, sua cultura, sua religião e sua contribuição para a formação da identidade nacional e da sociedade, da construção do país e identificação como povo brasileiro. É conhecer a história das pessoas negras que contribuíram para a formação do país, dos homens e mulheres negras que também são nossos herois nacionais, que não sentaram nos palácios, mas foram fundamentais para termos um país livre e democrático”, teorizou.
E como cada pessoa pode adquirir e cultivar a consciência negra? A resposta passa pelo reconhecimento da existência do problema, da reflexão sobre suas causas e consequências na sociedade, e das atitudes para corrigir atitudes, comportamentos e pensamentos que incitem o racismo e a discriminação. Marinho cita a filósofa e escritora Djamila Ribeiro ao dizer que “para combater o racismo precisamos nomeá-lo, reconhecer sua presença no cotidiano da sociedade”. E com a participação de todos, sem distinção.
“Em primeiro lugar devemos admitir que ainda herdamos uma sociedade racista, que o racismo é estrutural, que ainda não superamos este problema e que ainda sofreremos muito com ele. Essa tarefa de enfrentar o racismo que deve ser tratada de forma interseccional por todos nós, negros e brancos, porque ainda não vivemos numa democracia racial. Também não devemos esquecer que o enfrentamento ao racismo requer políticas públicas inclusivas, atravessado que está por outras formas de discriminação, como a de gênero. O debate sobre racismo tem que incluir a pessoa branca, porque basta olhar ao redor para ver onde está a pessoa negra e verá a discriminação, não é somente uma questão de mérito”, conclui o professor do PPGD.
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