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Justiça restaurativa no encarceramento feminino: pesquisa propõe alternativas para a reinserção social

Com foco em práticas restaurativas, estudo mapeia experiências no sistema prisional feminino e reforça o papel transformador da universidade na busca por um sistema mais humanizado.

às 19h24
Hagda Cunha- Estudante de Direito da Unit
Hagda Cunha- Estudante de Direito da Unit
Hagda Cunha e Déborah Azevedo
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O encarceramento feminino no Brasil é uma realidade complexa, marcada por desafios que vão além da privação de liberdade como a superlotação, a falta de políticas públicas específicas e a dificuldade de ressocialização. Nesse contexto, a busca por alternativas que promovam a reabilitação e a reinserção social dessas mulheres se torna cada vez mais urgente. Uma dessas alternativas é a Justiça Restaurativa, uma abordagem que busca reparar os danos causados por um crime, envolvendo as vítimas, os ofensores e a comunidade.

A Resolução nº 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) representa um marco na busca por alternativas à cultura punitiva. Ainda assim, a aplicação de práticas restaurativas nas prisões brasileiras, especialmente nas unidades femininas, é limitada e pouco explorada. Foi essa lacuna que motivou a aluna do 6º período de Direito na Universidade Tiradentes (Unit), Hagda da Cunha, a desenvolver sua pesquisa de iniciação científica intitulada “Mulheres nas prisões e práticas restaurativas – mapeamento dessas experiências no sistema penitenciário de 2016 a 2023”.

“Era um tema muito estigmatizado para mim, eu estava no Grupo de Gênero da Universidade, participei da seleção de IC e me apaixonei pelo tema, eu desenvolvi um outro olhar, um olhar de respeito e de compreensão com as histórias de vida dessas mulheres. É um tema envolto ainda com olhares focados na cultura punitivista (como eram os meus), porém quando paramos um pouco para ler e entender a Justiça Restaurativa um mundo se abre”, destaca Hagda.

O olhar restaurativo

Hagda, que atualmente realiza mobilidade acadêmica na Universidad Mayor, no Chile, iniciou sua pesquisa em setembro de 2023 sob orientação da professora Grasielle Vieira e da mestra Deborah Azevedo Andrade. A pesquisa mapeou e analisou a aplicação de práticas restaurativas em unidades prisionais femininas no Brasil, investigando como essas práticas estão alinhadas com a Resolução 225 do CNJ. A metodologia do estudo incluiu a aplicação de questionários enviados a unidades prisionais e secretarias de administração penitenciária, além de pesquisas em publicações de tribunais de justiça estaduais. 

“Utilizamos dois formulários que foram encaminhados por e-mail para as unidades prisionais e para a Administração Penitenciária, com um questionário sobre a aplicação, metodologia e aceitação das práticas restaurativas nas unidades femininas. A metodologia utilizada consistiu de pesquisa exploratória documental aliada à revisão bibliográfica, diante do mapeamento das experiências com práticas restaurativas, a partir do rastreio por informações nos sites dos Tribunais de Justiça Estaduais, e-mail padrão para as Secretarias de Administração Penitenciária e os Núcleos de Justiça Restaurativa”, explica.

Segundo Hagda, o enfoque restaurativo permite às mulheres apenadas refletirem sobre seus atos, considerarem maneiras de reparação e, acima de tudo, encontrarem um caminho para recomeçar. “As práticas restaurativas buscam reparar danos sempre que possível, além de conscientizar e reconstruir as conexões dessas mulheres com a sociedade, com a família, com as outras internas e com os operadores da Segurança Pública. É um novo olhar para o interno, permitindo assim uma transição bem-sucedida quando essa apenada voltar à liberdade”, elenca Hagda.

Impacto da pesquisa científica

A pesquisa realizada pela graduanda Hagda é um desdobramento significativo de projetos que vêm sendo conduzidos sob a coordenação de Grasielle Vieira, responsável pelo Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos (PPGD) da Universidade Tiradentes. O projeto foi aprovado em um edital da Coordenação de Pesquisa da instituição e está vinculado ao Grupo de Pesquisa sobre Execução Penal e Segurança Pública, liderado pela coordenadora.

“O Grupo de Pesquisa sobre Execução Penal e Segurança Pública integra não apenas alunos da graduação em Direito, mas também do mestrado e doutorado em Direitos Humanos. Dentro da linha de pesquisa Direitos Humanos na Sociedade, que engloba políticas criminais e vulnerabilidades, o grupo busca desenvolver estratégias para reinserção social de mulheres privadas de liberdade, promovendo uma abordagem mais humanizada do cumprimento de penas. Ao investigar a aplicação de práticas restaurativas, o projeto também incentiva um olhar crítico sobre o sistema carcerário e sua capacidade de oferecer condições dignas para a reintegração dessas mulheres à sociedade”, explica Grasielle. 

Além de contribuir para a formação acadêmica dos estudantes, a pesquisa gera conhecimento relevante para o campo dos direitos humanos. “Os resultados, que serão divulgados em artigos científicos, visam ampliar a compreensão pública sobre as vulnerabilidades enfrentadas por mulheres encarceradas e as soluções possíveis para tornar o sistema prisional mais inclusivo e restaurador. Esse trabalho representa um esforço coletivo para alinhar a produção acadêmica às demandas sociais, reforçando o papel transformador da universidade”, complementa a coordenadora.

A ponte entre a academia e a transformação social

A pesquisa realizada por Hagda tem suas raízes na trajetória acadêmica e nas experiências práticas de Déborah Azevedo Andrade, mestre em Direitos Humanos pela Universidade Tiradentes (Unit). Desde os primeiros períodos da graduação em Direito, Déborah se envolveu em projetos que despertaram seu interesse pelo sistema carcerário, como o Projeto Reformatório e o Grupo de Pesquisa em Execução Penal, ambos coordenados pelo professor Ronaldo Marinho. Essas iniciativas proporcionaram a ela visitas a todas as unidades prisionais de Sergipe, o que revelou de perto as realidades enfrentadas por pessoas encarceradas, especialmente mulheres.

A colaboração entre Déborah e Hagda se deu de forma estruturada e contínua. Desde o início do projeto de iniciação científica, Déborah auxiliou Hagda em atividades práticas, como a realização de pesquisas nos órgãos responsáveis pelos dados e a elaboração de artigos científicos. Os encontros semanais no Laboratório de Direitos Humanos da Unit foram essenciais para discutir avanços, revisar o cronograma e planejar apresentações em congressos e seminários internacionais. Essa parceria gerou publicações em capítulos de livros e anais de eventos acadêmicos, ampliando o alcance dos resultados obtidos.

“Transformar pesquisas acadêmicas em ações no sistema prisional é essencial para melhorar as condições dos presos, seguindo a Lei de Execução Penal (LEP) e estudar maneiras para promover a reintegração social. Ao aplicar conhecimentos baseados em evidências, é possível desenvolver políticas e programas mais eficazes, criando um sistema prisional mais justo e eficiente para todos. A avaliação dos resultados pode gerar políticas públicas mais humanas e sustentáveis, beneficiando tanto as detentas quanto o sistema penitenciário”, elenca Déborah.

A Unit desempenhou um papel crucial nesse processo, fornecendo uma estrutura adequada e suporte acadêmico durante o mestrado de Déborah e no projeto de Hagda. “Utilizamos bastante o Laboratório de Direitos Humanos, que possui toda estrutura necessária, como computadores, rede Wi-Fi, lousa e entre outros itens que facilitaram nossa pesquisa, trazendo conforto e praticidade. Além disso, tínhamos livre acesso aos professores do PPGD, onde podíamos tirar dúvidas da temática e receber orientações importantes, principalmente com minha orientadora Grasielle Borges, que foi de extrema importância no meu mestrado e no projeto de iniciação científica”, explica a mestra.

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