Pix, chip, caixas automáticos, biometria, pagamentos por aproximação ou direto pelo aplicativo. Esses são alguns exemplos de como a tecnologia se faz mais presente no dia-a-dia das relações de consumo, a ponto de ditar tendências e otimizar processos. O cenário que já vinha se desenvolvendo desde a década de 1990 foi acelerado nos cinco últimos anos, tanto pelo advento da Inteligência Artificial quanto pelo avanço das comunicações por internet e pelas adaptações decorrentes da pandemia de Covid-19. E o que acontecia com as formas de pagamento e contratação também se estendeu para todas as outras etapas da jornada do cliente.
“Na propaganda, a personalização tornou os anúncios mais eficientes, com algoritmos que analisam preferências e comportamentos para direcionar conteúdos relevantes. No momento da compra, as inovações incluem pagamentos digitais, caixas de autoatendimento e assistentes virtuais, que agilizam e personalizam a experiência. Já no pós-venda, a tecnologia facilita a interação entre consumidores e marcas por meio de chatbots, avaliações automatizadas e inteligência artificial que analisa feedbacks para aprimorar produtos e serviços”, explica o professor Mário Eugênio Paula de Lima, dos cursos de Comunicação (Jornalismo e Publicidade) da Universidade Tiradentes (Unit).
Entre as principais tecnologias adotadas hoje pelas empresas, ele cita a inteligência artificial usada desde a recomendação de produtos em e-commerces até o atendimento automatizado via chatbots, passando pelo uso de algoritmos para sugerir produtos com base no histórico de compras e comportamento online dos consumidores. “A IA permite que as empresas analisem hábitos de compra, preferências e histórico do consumidor para oferecer recomendações mais precisas. Isso não apenas aumenta a taxa de conversão, como melhora a experiência do cliente, tornando as compras mais rápidas e personalizadas”, diz Mário.
Ainda há a Realidade Aumentada (RA) e a Realidade Virtual (RV), que vêm ganhando espaço especialmente no mercado de moda e decoração, através de aplicativos que permitem aos consumidores experimentarem roupas virtualmente ou ver uma prévia de como um móvel ficaria em sua casa antes de finalizar a compra.
As empresas também lançam mão do Big Data e do Analytics para analisar transações, prever tendências de consumo e gerir o estoque de produtos, evitando o desperdício. “Além disso, a Internet das Coisas (IoT) tem transformado a automação logística e a gestão de produtos em tempo real. No Brasil, empresas como Mercado Livre e Rappi adotam rastreamento inteligente para otimizar entregas, enquanto grandes varejistas testam sensores que alertam automaticamente sobre reposição de estoque”, afirma Eugênio.
Ondas de IA
O processo de evolução da inteligência artificial no consumo pode ser dividido em quatro ondas, que representam o grau de sofisticação e impacto da tecnologia na experiência do usuário. A primeira foi a da IA na Internet, que começou com o uso de algoritmos que personalizam conteúdos online, como o feed do Instagram e os anúncios do Google. A segunda foi a da IA nos Negócios, quando empresas recorrem a essa tecnologia para otimizar processos internos e melhorar o atendimento ao cliente, tendo como exemplo os chatbots de atendimento ao consumidor.
Segundo o professor, o Brasil está em um momento de transição da segunda para a terceira onda, a da IA na Percepção, que envolve o uso de sensores, câmeras e outras tecnologias para captar e interpretar comportamentos dos consumidores em tempo real. “No Brasil, já existem testes com reconhecimento facial em lojas e supermercados para facilitar pagamentos e personalizar a experiência do cliente. Algumas redes de farmácias, por exemplo, estão testando câmeras que identificam emoções dos clientes para ajustar recomendações de produtos”, detalha Eugênio.
A última onda, chamada IA na Automação, envolve a automação completa de processos e o uso de IA para tomar decisões sem interferência humana. Ela já é adotada, por exemplo, nas chamadas “lojas autônomas” presentes em redes de fast food e de supermercados dos EUA e do Brasil, estendendo-se também por cabines instaladas em condomínios para a venda de bebidas e alimentos. Nelas, os clientes entram, pegam os produtos e são cobrados automaticamente ao sair, sem precisar passar por um caixa tradicional.
“Quanto aos meios de pagamento, o Pix e as carteiras digitais aceleraram a digitalização financeira, facilitando transações instantâneas e tornando os checkouts mais rápidos e seguros. Muitos varejistas já adotam pagamentos via QR Code e sistemas que dispensam o uso de cartões físicos. Em termos de segurança, o Blockchain está sendo explorado para evitar fraudes e garantir transparência em transações financeiras. Alguns bancos brasileiros e fintechs já testam essa tecnologia para registros de contratos e transações seguras”, completa Mário.
Os avanços tecnológicos nas relações comerciais também impõem desafios a ser superados no Brasil, tanto pelas autoridades quanto pelo mercado. Eles estão principalmente na expansão da infraestrutura digital e na otimização dos custos de implementação para pequenos negócios. “Para avançar, o país precisa investir em conectividade, acessibilidade a novas tecnologias e regulamentação para garantir a segurança dos dados dos consumidores”, disse Eugênio.
Uso estratégico
Outro desafio é garantir que os direitos do consumidor sejam respeitados, mesmo com a adoção massiva de tecnologias como inteligência artificial, big data e reconhecimento facial. Na visão do professor, entender como essas ferramentas funcionam e impactam nosso consumo é essencial para tirar o melhor proveito delas. “Essas tecnologias vieram para ficar e podem tornar nossa experiência de consumo mais ágil, conveniente e acessível. No entanto, cabe a nós, como consumidores, usá-las de forma estratégica, garantindo que elas realmente atendam às nossas necessidades sem comprometer nossa privacidade e direitos”, observa ele.
Uma forma de uso consciente das tecnologias é a comparação de preços e ofertas personalizadas, através de aplicativos como Zoom e Buscapé, que utilizam inteligência artificial para dar sugestões e acompanhar variações; e programas de fidelidade baseados em big data, que oferecem descontos exclusivos para quem compartilha seus hábitos de consumo.
O uso de dados pessoais do cliente chama a atenção para a forma como esses dados são coletados e tratados, que deve obedecer às regras da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Ela determina que as empresas são obrigadas a informar como coletam e utilizam as informações dos clientes. “Por isso, sempre que uma loja pedir acesso a dados sensíveis, como reconhecimento facial ou geolocalização, o consumidor deve questionar o motivo e verificar se é possível limitar essa coleta”, orienta Mário.
Outra facilidade das novas tecnologias é a disponibilização de canais digitais, como WhatsApp, chatbots e redes sociais, para a resolução de problemas entre empresas e clientes. Mas caso o serviço prestado ou produto não atenda às expectativas, a pessoa pode usar plataformas como Reclame Aqui para exigir soluções ou expor falhas publicamente, pressionando as marcas a oferecer um melhor atendimento, além de procurar os órgãos públicos de defesa do consumidor, como o Procon.
Um último e importante ponto de atenção está nos métodos de pagamentos digitais, como o Pix, que também se tornaram alvos de criminosos que inventam e aplicam golpes, como links falsos e tentativas de phishing (captura de dados). “Sempre que possível, ativar a autenticação em dois fatores e conferir os dados antes de realizar uma transação são medidas essenciais para garantir segurança nas compras”, conclui o professor.
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