Promover a equidade de gênero e impulsionar a participação feminina no universo científico são compromissos assumidos pelo programa nacional “Meninas na Ciência”, o qual a Universidade Tiradentes (Unit) participa ativamente, promovendo projetos que não apenas quebram paradigmas, mas também oferecem oportunidades concretas para estudantes do ensino básico. Um exemplo é o “Meninas na Ciência – Sim, Sinhô! Tecnologia, Saúde e Mudanças Climáticas”, coordenado pela Pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Biociências e Saúde (PBS), Cláudia Moura de Melo.
O projeto tem como objetivo não apenas despertar o interesse e a vocação científica em meninas de escolas públicas de Sergipe, mas também capacitá-las a desenvolver soluções integradas para os desafios contemporâneos impostos pelas mudanças climáticas. A professora Cláudia Melo, no entanto, não está sozinha nessa missão. Ao seu lado, está uma equipe formada por seis pesquisadoras: Maria Nogueira Marques, Cristiane de Magalhães Porto, Eliane Bezerra Cavalcanti, Sílvia Maria da Silva Egues e Veronica de Lourdes Sierpe Jeraldo. Unidas por afinidades de pensamento e por mais de duas décadas de atuação na formação de jovens cientistas, elas somam forças em prol de um mesmo propósito.
“Para mim, significa estimular mais e mais meninas com o meu fazer científico, e, consequentemente, promover a equidade de gênero na ciência, não apenas no acesso, mas também na permanência, ascensão e realização profissional”, ressalta Cláudia Melo, destacando sua motivação em contribuir para um ambiente acadêmico mais diverso e inclusivo.
O projeto “Meninas na Ciência – Sim, Sinhô!” é um dos três em andamento na Unit que compõem a linha temática de inclusão feminina na ciência, somando a participação de 11 pesquisadoras no total. As outras iniciativas são o “Mulheres na Nanociência: Conhecimento e Inovação para Cientistas e Profissionais do Futuro”, coordenado pela Dra. Patrícia Severino, e o “Licuri Sustentável: Promovendo Talentos Femininos na Ciência e Tecnologia através da Biotransformação de Óleo Natural para a Produção de Produtos de Higiene Ecológicos”, sob a coordenação da Dra. Cleide Mara Soares.
Fomento e parcerias estratégicas
Para que essas iniciativas se concretizem, o apoio de agências de fomento como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe (FAPITEC) é fundamental. Elas são responsáveis pelo fomento em formato de bolsas de Apoio Técnico à Pesquisa Nível Superior, Mestrado, Iniciação Científica e Iniciação Científica Júnior, beneficiando professoras e estudantes mulheres da Educação Básica, Graduação e Pós-graduação.
O projeto “Meninas na Ciência – Sim, Sinhô!” é desenvolvido pela Unit em parceria multicêntrica com a Escola Municipal José Ferreira Carvalho (Capela/SE), o Colégio Estadual Feri Inocêncio (Nossa Senhora do Socorro/SE), o Refúgio de Vida Silvestre Mata do Junco (Capela/SE) e o Instituto de Tecnologia e Pesquisa (ITP). As escolas parceiras disponibilizam a infraestrutura para as atividades e contam com o acompanhamento de professoras que recebem bolsas de Apoio Técnico à Pesquisa.
A seleção das estudantes é realizada pelas professoras das escolas parceiras, que consideram critérios como rendimento, frequência escolar e disponibilidade. A professora Rosa Cecília Lima Santos, da Escola Municipal José Ferreira Carvalho e beneficiária de bolsa de Apoio Técnico e parceira fundamental do projeto explica como o processo é conduzido em sua escola. “Junto com a direção e um especialista, avaliamos diversos aspectos, como comportamento, responsabilidade, pontualidade e nível de envolvimento. Como já conhecemos bem o perfil das alunas, conseguimos identificar aquelas que mais se destacam. Foi assim que escolhi Lays Bruna, Camille e Jaqueline”, relata.
A professora também destaca a diversidade entre as participantes, mencionando, por exemplo, Bruna, filha de uma liderança quilombola, e Jaqueline, moradora da zona rural, ambas demonstrando um alto nível de dedicação ao projeto.Além disso, o impacto da iniciativa na vida das meninas já é perceptível. O engajamento tem sido intenso e transformador, como mostram os 54 participantes que estiveram recentemente em uma visita técnica aos laboratórios da Unit, onde também participaram de oficinas.
“Um exemplo interessante é a forma como elas estão lidando com a bolsa. Estão aprendendo até sobre educação financeira. Uma das alunas, por exemplo, emprestou dinheiro aos tios e ainda cobrou juros. Quando soube disso, pensei: isso é aprendizado! E não é só sobre ciência, é sobre a vida”, relata a professora, orgulhosa. Ela ainda enfatiza o crescimento das estudantes em diversas áreas, como o senso de responsabilidade, a autonomia e até mesmo a desenvoltura para falar em público, competências que vão além do ambiente escolar.
Vivências práticas e imersão científica
As atividades do projeto são estruturadas para proporcionar uma imersão completa no universo científico, com mobilidade acadêmico-científica, capacitação através de oficinas e mentorias, participação em feiras e eventos científicos, desenvolvimento de projetos em laboratório e no campo, e formação em Divulgação Científica. “As meninas vivenciam no Programa de mentoria para estratégias tecnológicas de enfrentamento ao impacto de eventos climáticos extremos como desertificação e inundações, por meio da absorção de conhecimentos científicos via oficinas com pesquisadoras docentes e discentes de PPGs”, explica a Dra. Cláudia Melo.
Oficinas como “Entre mulheres: conversas sobre saúde e autocuidado”, “Aprendendo sobre Podcast”, “Degradação da urina: eliminando impurezas” e “Separação de pigmentos orgânicos naturais por cromatografia em papel” são apenas alguns exemplos das atividades desenvolvidas ao longo do projeto. Nessas ações, as participantes têm contato com práticas de química básica e aprendem a manusear instrumentos no parque tecnológico da Unit, experiências que ajudam a despertar vocações e apontar caminhos para o futuro.
É o caso de Lays Bruna Santos, estudante da Escola Municipal José Ferreira de Carvalho, em Capela, e bolsista de Iniciação Científica Júnior (ICJr). Moradora do Quilombo Pirangi, Lays já atua na produção e venda de comidas típicas quilombolas e sonha em cursar Gastronomia. “Tenho vontade de cursar Gastronomia e empreender, levando nossa cultura para mais pessoas. Onde eu moro trabalhamos com a plantação de verduras. O que aprendo aqui, levo para a minha comunidade. Tenho várias ideias: criar trilhas dentro da mata, promover rodas de conversa, mostrar nossas comidas típicas e a riqueza da nossa cultura”, conta.
Ela também destaca como a vivência prática reforçou seu propósito: “Na trilha ecológica, aprendi muita coisa. Havia placas sinalizando emergências, indicando por onde passar com segurança. Gosto muito dessa parte prática, do campo mesmo. Isso mostra a realidade de muita gente, especialmente de quem vive no interior”, conclui.
Inspirando futuros
Para muitas meninas, o “Meninas na Ciência” é o primeiro contato com o universo da pesquisa e da inovação, um divisor de águas em suas escolhas futuras. Jessy Tawanne Santana, doutoranda pelo programa de pós-graduação em Saúde e Ambiente (PSA) pela Unit, integrou o programa de Iniciação Científica em 2014, e destaca a importância fundamental dessa experiência em sua vida. Foi nesse ambiente que ela se apaixonou por tecnologia, por inovação, compreendendo que é necessário estar preparada para o futuro.
“A proposta de aproximar as alunas da educação básica do universo científico é algo que me inspira, pois esse espaço foi, por muito tempo, predominantemente masculino. Então, verificar o desenvolvimento do interesse científico dessas meninas em uma fase formativa tão crucial me faz acreditar ainda mais na construção de uma ciência mais diversa, representativa e inclusiva. Ao longo do projeto, participei da organização de oficinas temáticas”, comenta Jessy.
A estudante Anny Carolyne Santos, bolsista de Iniciação Científica e aluna de Fisioterapia, que pesquisa “Tratamento de urina por processo eletroquímica”, enfatiza a importância de participar de iniciativas como essa.“Além de contribuir para o meu crescimento pessoal e profissional, também representa a oportunidade de influenciar e inspirar outras mulheres a se envolverem em projetos científicos. Acredito que, ao ocupar esses espaços, reforçamos a ideia de que a mulher pode estar onde ela quiser, inclusive na ciência, que historicamente foi um ambiente majoritariamente masculino”, ressalta.
O projeto não apenas ensina sobre ciência, mas também sobre a vida. A divulgação científica, por meio de plataformas como Instagram (@meninasnaciencia.se) e podcasts, torna o conhecimento mais acessível e atraente. As jovens cientistas desenvolvem empoderamento e autonomia na geração de produtos, desde a elaboração de roteiros até a divulgação científica. Esse aprendizado interdisciplinar, que integra diferentes áreas do conhecimento, é instigante e prepara as jovens para resolver questões complexas, estimulando o trabalho em equipe, o planejamento, a liderança e a autoconfiança.
Expansão e novas oportunidades
Os próximos passos do “Meninas na Ciência – Sim, Sinhô!” incluem o desenvolvimento de projetos de pesquisa específicos de cada bolsista de IC Jr., seguidos por etapas de redação e difusão científica, com apresentação dos resultados em feiras e eventos. A continuidade da formação está prevista em um novo projeto emergente, o “Educlima: Conscientizar e intervir para enfrentamento às mudanças climáticas”, em parceria com o Programa Conduta Consciente da Unit.
Atualmente, o projeto financia dez bolsas: uma de Mestrado (R$ 2.100,00), uma de Iniciação Científica (R$ 700,00), duas de Apoio Técnico à Pesquisa Nível Superior (R$ 770,00) para professoras da Educação Básica e seis de Iniciação Científica Júnior (R$ 300,00), com a participação de 6 meninas bolsistas de ICJr (3 do Ensino Médio e 3 do Ensino Fundamental). Desde 2014, mais de 8 jovens cientistas já foram formadas em escolas públicas de Sergipe. A meta é ampliar o número de bolsas para a Educação Básica.
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