A Doença de Chagas, causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi e transmitida principalmente por meio das fezes do inseto popularmente conhecido como “barbeiro”, ainda representa uma grave ameaça à saúde pública na América Latina, sobretudo em regiões vulneráveis. Com sintomas silenciosos e crônicos, a enfermidade é considerada negligenciada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, fatores ambientais, como moradias precárias e mudanças ecológicas, contribuem para a disseminação do vetor, afetando milhares de pessoas com acesso limitado a diagnóstico e tratamento adequados.
Diante dessa realidade, a ciência busca soluções mais eficientes para o controle da doença. Uma das abordagens mais promissoras vem do campo da nanotecnologia. Na Espanha, a pesquisadora brasileira Jessy Tawanne Santana, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Ambiente (PSA) da Universidade Tiradentes (Unit), atua no desenvolvimento de nanopartículas lipídicas capazes de encapsular compostos bioativos com potencial ação contra o T. cruzi. Essa estratégia visa aprimorar a eficácia dos tratamentos existentes e diminuir os efeitos adversos.
Para facilitar a compreensão do público leigo, ela resume o funcionamento das nanopartículas. “No caso da Doença de Chagas, o uso de nanopartículas lipídicas representa uma estratégia inovadora e promissora, pois elas funcionam como sistemas carreadores, ou seja, protegem o princípio ativo, aumentam sua estabilidade e permitem uma liberação mais controlada e direcionada ao alvo terapêutico. Isso potencializa a eficácia do tratamento”, destaca. O projeto, que conta com financiamento do CNPq, busca desenvolver alternativas sustentáveis, baseadas em produtos naturais, para o controle da doença.
De Aracaju a Granada
A paixão pela pesquisa científica de Jessy Tawanne Santana floresceu durante sua graduação em Enfermagem na Unit. “Comecei a perceber a necessidade de obter mais respostas sobre diversos processos, especialmente relacionados à fisiopatologia e epidemiologia”, explica Jessy. Esse desejo a impulsionou a ingressar na Iniciação Científica, onde se envolveu em linhas de pesquisa voltadas para a saúde de populações vulneráveis, sob a orientação da Dra. Cláudia Moura de Melo. A experiência solidificou sua decisão de seguir carreira acadêmica, culminando no mestrado e, agora, no doutorado.
A oportunidade de internacionalização surgiu por meio de uma parceria entre o grupo de pesquisa Patologia das Doenças Tropicais (CNPq-Unit), liderado pela Dra. Cláudia Melo, e as pesquisadoras Dra. Raquel Barbosa Melo e Dra. Beatriz Clares Naveros, da Universidade de Granada. “No doutorado, quis me desafiar por meio da internacionalização”, revela Jessy, que viu nessa colaboração a chance de aprofundar seus conhecimentos e expandir seus horizontes acadêmicos.
Desafios e aprendizados da experiência internacional
A vivência acadêmica na Espanha tem sido, para Jessy, um período de intensos desafios e aprendizados. “Um dos maiores desafios foi, sem dúvida, sair da minha zona de conforto”, admite. Estar em um novo país, com uma cultura e dinâmica acadêmica distintas, exigiu adaptação constante, desde o idioma até a forma como a pesquisa é conduzida. No entanto, são justamente esses desafios que impulsionam seu desenvolvimento. “Eles me proporcionaram uma maior autonomia e desenvolvimento, no sentido de ter a oportunidade de aprender novas técnicas, conhecer distintas vertentes metodológicas e interagir com diferentes pesquisadores”, afirma.
Ao comparar a pesquisa na Espanha com a do Brasil, Jessy observa diferenças notáveis. “O que mais me chamou atenção foi a estrutura consolidada para a pesquisa na Espanha, tanto em termos de financiamento quanto de valorização institucional e profissional”, destaca. Ela também percebeu uma forte cultura de colaboração entre universidades e centros de investigação científica. Apesar disso, Jessy exalta a capacidade brasileira. “A forma como a pesquisa é conduzida no Brasil também envolve muita eficiência, nós brasileiros somos criativos e inovadores, penso que precisamos de mais valorização profissional para que possamos expressar cada vez mais o impacto das nossas produções científicas”, enfatiza.
A experiência de ser orientada por pesquisadoras na Espanha e manter a coorientação com as professoras brasileiras tem sido muito positiva. “Posso contar com o suporte e direcionamento das minhas orientadoras no Brasil e ao mesmo tempo obter novos conhecimentos provenientes das expertises das pesquisadoras da Espanha”, explica Jessy, que vê esse conjunto de orientações como um impulsionador de seu desenvolvimento profissional.
Legado e futuro
Jessy Tawanne Santana atribui parte de seu sucesso e preparo para a jornada internacional à sua formação na Unit. “Desde a graduação, tive acesso a professores comprometidos, oportunidades de pesquisa, participação em eventos científicos e incentivo à produção acadêmica”, enfatiza. Ela mantém contato com professores e colegas da universidade, que considera um ponto de referência em sua trajetória. “O que levo como diferencial da Unit é a qualidade do corpo docente, o qual é comprometido com o desenvolvimento do senso crítico e reflexivo do discente”, pontua Jessy.
Após a conclusão da pesquisa e do doutorado, Jessy pretende seguir na área acadêmica, fortalecendo sua atuação como pesquisadora e, futuramente, como professora universitária. “Acredito que a ciência deve estar a serviço da sociedade, e quero contribuir com a produção de conhecimentos que possam gerar impacto social”, declara. A internacionalização, para ela, tem sido fundamental nesse processo, mostrando o quanto podemos inovar e transformar quando temos acesso, suporte e coragem para ocupar espaços.
Para outros estudantes da Unit que sonham em fazer pesquisa fora do país, Jessy oferece um conselho. “Primeiramente é importante acreditar em seu potencial e ter em mente que fazer pesquisa fora do país não é um objetivo inalcançável, é uma oportunidade que pode ser conquistada com planejamento, dedicação e apoio. Então, invista em sua meta, procure verificar a rede de parcerias dos seus orientadores e busque organizar projetos de pesquisa que possam aprimorar a sua dissertação ou tese”, conclui.
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