Você já se imaginou vivendo em uma cidade onde não há jornais locais, emissoras de rádio ou portais de notícias? 30% das cidades brasileiras são consideradas “desertos de notícias”, ou seja, não possuem nenhum veículo de comunicação local. Esses dados, levantados por estudos da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), mostram que milhões de pessoas vivem sem acesso a informações jornalísticas de qualidade.
O jornalista e professor de Jornalismo da Universidade Tiradentes (Unit), Caio Alcântara, destaca que a ausência de uma imprensa local significa a perda de um espaço público importante para discussões. “Esse problema se agrava nas pequenas cidades, onde os veículos de comunicação frequentemente são a única fonte qualificada para debates sociais e políticos. Sem essa presença, as discussões acabam sendo superficiais, e a população perde a oportunidade de se aprofundar em temas relevantes”, pontua.
A falta de jornalismo também impacta diretamente na formação da identidade local. A ausência dele impede que as pessoas participem dessas discussões de forma profunda, levando as conversas para o campo superficial da opinião, sem avanços reais. “A imprensa está entre os elementos mais atuantes na formação dessa identidade. Claro que a imprensa e o jornalismo sozinhos não resolvem tudo, mas, como veículo de mediação entre a esfera individual e a esfera pública, o jornalismo nos ajuda a acessar informações que impactam desde a escolha de um bairro para morar até decisões políticas, como em quem votar e em quais pautas se engajar”, ressalta.
Proliferação de Fake News e redes sociais
A ausência de veículos de comunicação confiáveis cria um terreno fértil para a disseminação de notícias falsas. “Não podemos atribuir à mídia ou ao jornalismo o papel de única salvaguarda da verdade. Mas o jornalismo é uma técnica, uma filosofia de como narrar os fatos o mais próximo possível da verdade, retratando os acontecimentos e seu desenvolvimento. Não se trata de trazer uma verdade absoluta, mas de trabalhar, através de técnicas de objetividade, na produção de discursos verossímeis”, afirma Caio.
Em cenários onde a imprensa está ausente, as redes sociais frequentemente assumem o papel de principal fonte de notícias, o que pode ser problemático. Caio ressalta que as redes sociais não são veículos jornalísticos e que, embora permitam o acesso a uma variedade de notícias, muitas vezes são palco de polarização e disseminação de informações falsas. Ele aponta que, apesar de sua força no cenário atual, as redes sociais não foram projetadas para informar, mas sim para entreter, o que distorce a maneira como as pessoas consomem e entendem o jornalismo.
“Um dos grandes problemas do jornalismo é ter que se adaptar às narrativas e linguagens das redes sociais, que foram criadas para entretenimento, e não para informação. Contudo, as redes sociais ganharam tanta força que começaram a ditar como as pessoas leem, pensam e entendem. Tenho uma visão um tanto pessimista sobre a relação entre jornalismo e redes sociais, mas, ao mesmo tempo, reconheço que elas se tornaram o grande campo para os debates públicos”, ressalta.
Desafios do jornalismo local
A questão financeira é um dos pontos cruciais para entender a crise da imprensa local. “Um dos grandes problemas do jornalismo é ter se transformado em empresa, mas, na sociedade em que vivemos, não há como pensar no jornalismo fora desse contexto. Os veículos e profissionais precisam se sustentar, assim como quem investe no jornalismo precisa ter retorno financeiro. Esse é um dos motivos pelos quais a imprensa local, especialmente em cidades menores, tem desaparecido. Esses veículos não conseguem se sustentar, pois os grandes anunciantes não se interessam e o público não tem condições de mantê-los. Então, o primeiro ponto a ser pensado é o financiamento do jornalismo”, afirma
Os desafios não param por aí. Além das questões financeiras, as influências políticas também complicam o cenário da imprensa em cidades afastadas dos grandes centros. Grupos políticos locais muitas vezes exercem pressão sobre os veículos de comunicação, tornando a prática jornalística mais difícil e comprometendo a independência editorial. “Fazer jornalismo nessas condições é extremamente desafiador”, conclui o professor.
A solução para enfrentar esses desafios passa por um esforço coletivo para valorizar e financiar o jornalismo local, além de promover uma educação midiática que ajude as pessoas a entenderem o papel que a imprensa desempenha na sociedade. Ao promover o consumo de jornalismo de qualidade e ao reforçar a importância de uma imprensa livre e independente, é possível garantir que as cidades, grandes ou pequenas, não sejam deixadas à mercê da desinformação e do isolamento cultural.
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