A prática da corrida de rua tem se tornado uma das atividades físicas mais populares em todo o mundo, atraindo um número cada vez maior de adeptos em busca de saúde e bem-estar. No entanto, por trás desse crescente interesse, estão os desafios e riscos enfrentados por corredores, desde iniciantes até atletas mais experientes. A lesão não apenas afasta o atleta da prática, mas também pode ter impactos negativos na saúde.
Foi nesse contexto que a professora do curso de Educação Física da Universidade Tiradentes (Unit), Thaysa Chagas, desenvolveu sua tese de doutorado, intitulada “Dor e Lesões Musculoesqueléticas em Praticantes de Corrida de Rua e os Mecanismos Neurais Envolvidos: Estudo Observacional”. A pesquisa, realizada no Programa de Pós-Graduação em Ciências Fisiológicas da Universidade Federal de Sergipe (UFS), traz uma compreensão dos impactos da corrida de rua na saúde muscular e esquelética dos praticantes.
“Minha pesquisa aborda a neurociência, mais especificamente a dor aplicada ao atleta, com foco nos corredores. Apesar da corrida ser um esporte de fácil acesso e ter visto um aumento significativo em sua popularidade nos últimos anos, é também um esporte com alto potencial de causar lesões. A maioria dos praticantes, sejam iniciantes ou experientes, já sofreu algum tipo de lesão relacionada à prática desse esporte. Então, o objetivo principal da pesquisa é investigar a dor experimentada por esses atletas, pois praticamente todos relatam sentir algum tipo de desconforto, seja articular, muscular ou neural. A ideia é analisar e avaliar essa dor antes que evoluísse para uma lesão”, explica.
Análise abrangente
A ideia do projeto inicial, intitulado de “Projeto CorreDor”, é entender a relação entre a prática da corrida e a dor causada por essa atividade. “O objetivo é avaliar a dor dos praticantes, tendo em vista que nosso público-alvo é composto pela população que mantém uma rotina de trabalho e pratica corrida como forma de lazer e busca por saúde. Realizamos uma avaliação da sensibilidade neural em praticantes dessa modalidade, abrangendo membros inferiores, como tendão de Aquiles, tíbia, joelho e região glútea, além da região lombar”, elenca Thaysa.
A análise da pesquisa, segundo a professora, mostrou que os praticantes que tinham maiores volumes e intensidades de treinamento, ou seja, aqueles que corriam longas distâncias e em ritmo mais acelerado, apresentavam maior sensibilidade à dor e um maior histórico de lesões prévias. Isso ocorria porque não estavam respeitando o intervalo adequado entre as sessões de treino para permitir uma recuperação efetiva dos tecidos.
“Observamos que, ao longo do tempo de prática da corrida, desde que respeitados os intervalos de recuperação, ocorre uma adaptação do tecido nervoso, conhecida como “habituação da via neural”. Isso significa que o sistema nervoso central passa a entender que a corrida não é lesiva e, portanto, reduz a sensibilidade à dor. Isso é especialmente importante para pessoas com doenças crônicas, pois ajuda a gerenciar a dor relacionada à prática da corrida. Em resumo, o estudo mostra a importância de um treinamento adequado, respeitando os limites do corpo e os períodos de recuperação, para evitar lesões e garantir uma prática segura e prazerosa da corrida”, ressalta.
Thaysa aborda que na questão da dor, como na fibromialgia, por exemplo, a prática regular de exercício físico reduz a sensibilidade à dor dessas pessoas, ou seja, diminui o quadro de dor. Sendo essa constatação um dos principais achados de sua pesquisa. “O exercício físico, de forma imediata, promove o que chamamos de hipoalgesia, um mecanismo neural que reduz a sensação de dor de forma imediata. No entanto, percebemos que, ao longo do tempo, com o exercício crônico, ou seja, realizado ao longo de períodos prolongados, como no caso de pessoas que praticam corrida há anos, ocorre uma adaptação. Observamos que pessoas que não praticam exercícios têm uma sensibilidade à dor maior do que aquelas que praticam corrida há mais tempo”, observa.
Além disso, em sua pesquisa também foi possível chegar a conclusão que praticar corrida para evitar o risco de lesões requer moderação, ou seja, deve ser praticada na medida certa, com uma recuperação adequada dos tecidos, respeitando os intervalos de recuperação. “Notamos que pessoas que exageram nos treinamentos aumentam a sensibilidade à dor, o que eleva o risco de lesão. Essas lesões muitas vezes ocorrem quando os praticantes não respeitam esses limites, o que chamamos de overtraining, um termo em inglês que se refere ao excesso de treinamento. A prática regular de exercícios, portanto, acaba sendo favorável à proteção do tecido na resposta que desencadeia a dor”, orienta.
Trajetória acadêmica e profissional
Thaysa Chagas sempre foi apaixonada pela ciência. Começou sua trajetória acadêmica com a iniciação científica, integrou-se a grupos de pesquisa e mergulhou na rotina de laboratório. Essa imersão gradual fez com que se apaixonasse cada vez mais pelo ambiente acadêmico, além de despertar em si o interesse pela divulgação científica. “Sentia a necessidade de uma comunicação mais ampla com as pessoas, além de simplesmente ficar nos bastidores produzindo artigos científicos”, relembra.
Após concluir a graduação em Educação Física, Thaysa realizou duas especializações e, durante o mestrado, mesmo estando matriculada em Educação Física, começou a trabalhar com fisiologia. Essa paixão só cresceu, levando-a a querer fazer o doutorado no programa de pós-graduação em Ciências Fisiológicas. Posteriormente, ingressou na Unit, onde atua há seis anos.
“Iniciei como preceptora e, posteriormente, migrei para a docência. Atualmente, leciono disciplinas de fisiologia humana, fisiologia do exercício e anatomia. Sinto-me extremamente feliz e realizada com essa atividade, como se tivesse finalmente me encontrado. Questões relacionadas à insegurança e timidez ficaram para trás, pois quando fazemos o que amamos e nos identificamos com a área, conseguimos transmitir isso aos outros. Minha meta agora é passar aos alunos essa paixão e amor que sinto pela fisiologia, além de promover uma comunicação científica de qualidade, combatendo as falsidades frequentemente divulgadas nas redes sociais”, relata a professora.
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