Um documentário, oito seres, várias perguntas. Dezessete cidades, 8 mil quilômetros, 34 dias. Um alfabeto, 26 letras e 35 fonemas. Mais do que números, o filme ‘Sertão como se fala’ quer soletrar narrativas daqueles que aprenderam a falar as primeiras letras por meio do abecedário sertanejo.
A partir do dia 6 de outubro, jornalistas, documentaristas e produtores audiovisuais que vivem em Belo Horizonte deixam os limites do cerrado mineiro e avançam no mapa do sertão do Brasil para registrar histórias de um povo que lê o mundo com nove fonemas diferentes do abc convencional. São eles: ê – fê – guê – jí – lê – mê – nê – rê – sí, correspondentes às letras E – F – G – J – L – M – N – R e S. A peculiaridade foi retratada na canção ‘ABC do Sertão’, composta por Luiz Gonzaga e regravada por músicos como Geraldo Azevedo e Zé Ramalho.
De cunho cultural e tendo em vista a falta de material de pesquisa acessível sobre o tema, o documentário vai investigar as raízes deste alfabeto e da sua difusão. O filme também vai examinar reflexos desta expressão cultural nas formas de sociabilidade e vai levantar questões relacionadas às heranças culturais e identitárias do sertanejo.
Para isto, a equipe de produção vai conversar com educadores, professores, alunos, estudiosos e artistas que tiveram em sua formação o jeito sertanejo de falar e buscará compreender, por meio das memórias relatadas, como o modo foneticamente diferente de se comunicar interferiu na formação pessoal de cada um.
A equipe de produção percorrerá, de carro, sete estados cortados pelo sertão: Bahia, Sergipe, Pernambuco, Paraíba, Ceará, Piauí e Alagoas. Municípios como Feira de Santana, Euclides da Cunha, Canudos, Canindé do São Francisco, Salgueiro, Juazeiro do Norte, Patos, Picos e Petrolina fazem parte do roteiro, estrategicamente planejado conforme a localização dos entrevistados. Serrinha, cidade natal do diretor do filme, o jornalista Leandro Lopes, também compõe a rota: “O Sertão é um lugar expulsivo, duro, que exige coragem de se viver. Mas quando quero contar sobre esse mesmo lugar, quero contar sobre um Sertão de fortes homens e mulheres. Falar da beleza do grandioso, da secura como elemento estético”, reflete no blog que vai abrigar diários de bordo de toda a equipe ao longo do trajeto.
Depois da viagem e com o material audiovisual em processo de mapeamento, a equipe se empenhará na segunda etapa de produção do documentário e vai entrevistar personalidades nordestinas que foram alfabetizadas com o abcedário sertanejo. As conversas vão ser gravadas por telefone, gerando uma sensação de distância e lembranças deste tempo vivido na escola. Nesta etapa, pessoas como Geraldo Azevedo, Gilberto Gil, Wagner Moura, Tom Cavalcante, Ivete Sangalo, Lenine, Tom Zé e Bráulio Tavares vão ser convidadas a compor a narrativa do filme.
O documentário vai ser realizado de maneira independente, pois ainda não possui patrocínio. Para tentar arrecadar uma ajuda de custos, a equipe está promovendo uma campanha de financiamento colaborativo no site Catarse. Qualquer pessoa pode apoiar. O valor pedido pela equipe de produção é R$ 62.625, relativos a gastos com hospedagem, alimentação e combustível. As colaborações começam na faixa de R$ 10 e, a cada aumento do valor doado, incluem o que o Catarse nomeia como ‘recompensas’: durante o trajeto, a equipe vai produzir cartões postais que serão enviados pelo correio aos ‘caroneiros’, por exemplo. Bolsas, camisetas, adesivos, marcadores de livros e cadernos de caligrafia, produzidos especialmente para o filme, também fazem parte da lista de ‘recompensas’, que prevê ainda ingressos para a sessão de pré-estreia do documentário.
Após exibições em festivais, o longa-metragem vai ser disponibilizado na íntegra na internet e para a veiculação em canais públicos de circulação nacional, fomentando o acesso à nossa cultura e a busca por novos olhares em relação à história do Brasil e do brasileiro.
Foto: Marcos Becho