Pela primeira vez no país, a condição intergênero é reconhecida em um registro civil. Essa decisão, tomada em Pernambuco em março de 2024, abre caminho para avanços na garantia dos direitos dessa população e no combate à discriminação. Mas o que seria uma pessoa intergênero? O intergênero ou intersexo é um termo que abrange uma ampla gama de variações nas características sexuais de uma pessoa, desde cromossomos e hormônios até anatomia genital, que não se encaixam nas definições binárias de “masculino” ou “feminino”.
Estima-se que 1,7% da população mundial nasça com características intersexuais, o que significa que no Brasil, cerca de 3 milhões de pessoas se identificam como intersexuais. É importante salientar que a intersexualidade não é uma doença ou distúrbio, mas sim uma variação natural da biologia humana. A advogada e professora da Universidade Tiradentes (Unit), Acácia Lelis, destaca a importância desse marco e os desafios enfrentados pelas pessoas intergênero em relação à documentação oficial e identificação de gênero.
“Os principais desafios consistem exatamente no reconhecimento da identidade, que vai além do nome, que permite a visibilidade a sua existência e todas as suas necessidades, como direito à saúde, medicamentos, tratamentos, acompanhamento interdisciplinar, além de outros direitos na sua vida social, pessoal e existencial. É importante ainda a despatologização da intersexualidade para assegurar os direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana”, explica Acácia.
Apesar dos desafios, a comunidade intergênero vem conquistando importantes vitórias nos últimos anos. Um exemplo é a Lei 14.193/2021, que proíbe a mutilação genital em crianças e adolescentes intergênero. “É necessário ainda, conforme defende Amiel Vieira, doutorando em Bioética, proibir que não sejam realizadas cirurgias genitais estéticas em crianças intergênero, assegurando que, caso haja a necessidade de intervenções médicas e/ou cirúrgicas, essas ocorram com consentimento informado e participação ativa da pessoa Intergênero”, reitera Acácia.
O Poder Judiciário e o sistema legal brasileiro têm um papel fundamental nessa conquista. “O Poder Judiciário é o meio para assegurar direitos quando pela via administrativa esses são negados ou obstacularizados. O Judiciário tem um papel fundamental para reconhecer os direitos e reafirmar valores e princípios constitucionais que asseguram a igualdade de direitos, os valores supremos de uma sociedade plural, justa e solidária. Espera-se que essa decisão de Pernambuco seja replicada e que influencie outras decisões”, elenca.
Diferença entre hermafrodita e intergênero
O termo “hermafrodita” já foi, durante muito tempo, utilizado de forma genérica para denominar pessoas intersexo. Esse termo, no entanto, deixou de ser usado por ser considerado limitante e de cunho pejorativo, reforçando estereótipos negativos. Segundo nota informativa da Organização das Nações Unidas (ONU) Direitos Humanos, o termo hermafrodita assume um “significado estreito e limitado dentro do campo da ciência e, portanto, pode promover ideias incorretas e homogeneizadas sobre a aparência e as capacidades dos corpos intersexo“.
Segundo a Associação Brasileira Interesexo (Abrai), hermafrodita é uma pessoa que tem uma condição congênita (desde o nascimento) onde há presença de testículo e ovário, com presença ou não de genitália ambígua — quando os órgãos sexuais não são bem formados ou não são claramente masculinos ou femininos.
Já intersexo é o termo generalista que engloba todas as condições biológicas que não se enquadram nas definições médicas de “macho e fêmea” — o que significa que “hermafrodita” é apenas uma das definições englobadas pelo termo.
Outros exemplos de intersexualidade são:
- Insensibilidade androgênica;
- Regressão testicular;
- Hiperplasia adrenal congênita;
- Síndrome de Klinefelter;
- Síndrome de Turner;
- Síndrome de Rokitansky, entre outras.
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