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Pais ainda recorrem à agressão física para “educar” crianças

Agressão física já fez mais de 140 mil vítimas no Brasil, mas número é maior: professora da Unit atribui comportamento a uma construção cultural que precisa ser desfeita

às 21h21
Motivadas por uma cultura antiga de educação doméstica, agressões físicas contra crianças são proibidas pela Lei Menino Bernardo (Marcello Casal Júnior/Agência Brasil)
Motivadas por uma cultura antiga de educação doméstica, agressões físicas contra crianças são proibidas pela Lei Menino Bernardo (Marcello Casal Júnior/Agência Brasil)
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Henry Borel, 4 anos, no Rio de Janeiro. Isabella Nardoni, 5 anos, em São Paulo. Bernardo Boldrini, 11 anos, em Frederico Westphalen (RS). Isis Helena, 1 ano e 8 meses, em Itapira (SP). Rhuan Maycon, 9 anos, em Samambaia (DF). Ketelen Vitória, 6 anos, em Porto Real (RJ). Estas foram vítimas mortais de uma história que se repete com frequência: as agressões físicas contra crianças e adolescentes. O número de vítimas que não chegam a ser mortas é subestimado, pois muitos casos não chegam ao conhecimento das autoridades, mas os dados que são conhecidos, por si só, são alarmantes. Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), 140 mil crianças e adolescentes foram agredidas no Brasil apenas em 2018, sendo 32 mil com menos de quatro anos de idade. 

A grande maioria destes casos é motivado por um comportamento antigo, ilegal e enraizado na maioria das famílias: o da “educação pela palmada”, que pune qualquer deslize de comportamento ou desobediência com tapas, chineladas e surras de cinto. Esta prática, apesar de mais discutida e combatida, vem sendo passada de geração a geração, a partir de uma construção social e cultural sobre a relação entre adultos e crianças, como explica a professora Camille Cavalcanti Wanderley, do curso de Psicologia do Centro Universitário Tiradentes (Unit Alagoas). 

“A noção de infância surge com o começo da sociedade capitalista, onde essas crianças não tinham um papel social e não existia uma percepção da transição entre a infância e a vida adulta. Então, o que se esperava desse ser era algo baseado numa criação patriarcal, na hierarquia do poder e com o intuito de que o mais velho orienta e educa. Essa educação é pautada na violência porque tem que seguir um padrão para poder ser encaixado dentro das normas, da lógica e da cultura de uma sociedade”, teoriza Camille, assinalando que as crianças sempre ficaram à margem do processo de desenvolvimento social e cultural da humanidade. “Com a industrialização, começou a se ter uma certa visibilidade de todos os problemas sociais que a divisão desse olhar em relação à infância trazia. Então, essa criança desprovida de direito ainda é vista dessa forma, sem direitos, autonomia, vontade ou afetividade”, completou.

Muitas vezes as agressões são justificadas com a afirmação de que os pais também apanharam ou que a surra é uma forma de “corrigir” e “educar” a criança. Para isso, existe até um ditado conhecido: “Pata de galinha não mata pinto”. Para a professora, é preciso educar os pais sobre os prejuízos causados ao psicológico dos filhos com esse tipo de educação coercitiva, o que começa com uma autocrítica. 

“O primeiro passo para a gente transformar essa realidade cultural é tomar consciência do estilo de parentalidade que nós desenvolvemos. Que pai eu sou? Como eu conduzo a educação do meu filho? Eu estou apenas replicando os comportamentos e os ensinamentos que eu tive da minha família, ou eu estou conseguindo parar e entender as necessidades que essa criança tem naquele momento? Estou exigindo dessa criança respostas compatíveis com um adulto, quando ela ainda não tem a condição de maturação cerebral necessária para isso”, provoca Camille, pontuando que as crianças e adolescentes são seres em processo de desenvolvimento social, cognitivo e emocional.

Em meio a esse debate, muitos pais fazem a seguinte pergunta: então, como vou conseguir impor limites aos meus filhos sem bater neles? A psicóloga assegura que isso é possível, através de uma relação de diálogo e confiança que é construída no dia-a-dia, sem fórmulas prontas. “É um processo de construção de vínculos, afeto, respeito e também de limites. Não é deixar a criança fazer tudo o que ela quer, mas é saber pactuar e mostrar a essa criança os limites que ela tem. A tomada de consciência com pequenas ações e situações que vão dando autonomia a essa criança e ajudando a ela se encontrar e se posicionar nesse mundo. Não tem receita de bolo mágica, cada família tem a sua dinâmica”, pontua ela. 

Lei Menino Bernardo

As agressões e maus-tratos contra crianças e adolescentes são proibidas pela Lei 13.010/2014, que ganhou o nome de “Menino Bernardo”, em homenagem ao gaúcho Bernardo Boldrini. Ela estabelece que os autores de castigos físicos devem ser submetidos a tratamento psicológico ou psiquiátrico, ou encaminhados a algum programa oficial ou comunitário de atenção à família. Isso sem prejuízo das outras punições previstas no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Camille Wanderley considera que a lei é um avanço, pois “traz justamente essa perspectiva que a criança e o adolescente não deve ser punido e a dos danos que esse tipo de educação causa em todo o processo de desenvolvimento infanto juvenil”.

Os casos de violência, abusos e maus-tratos contra crianças e adolescentes podem ser denunciados pelo Disque 100, do Ministério da Família e Direitos Humanos Nacional, ou mesmo ao Disque-Denúncia de seu estado: 181 (Sergipe e Alagoas) e (81) 3421-9595 (Grande Recife). Os números recebem ligações durante todos os dias da semana, inclusive feriados. A ligação é gratuita e o sigilo é garantido.

Asscom | Grupo Tiradentes

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