“A pena de morte é um descendente direto da escravidão”, sentencia o advogado Nicholas Trenticosta durante palestra transmitida por videoconferência para estudantes e professores de Direito da Universidade Tiradentes, em Sergipe; do Centro Universitário Tiradentes, em Alagoas; e da Faculdade Integrada de Pernambuco. Segundo Nicholas, 86% dos casos de condenação à pena de morte são registrados na região Sul dos EUA, onde a escravidão resistiu por mais tempo. Só o estado do Texas é responsável por 537 das 1.473 execuções registradas desde 1976.
Trenticosta e sua colega Susana Herrero, advogados especializados em pena de morte, conversaram durante cerca de duas horas com os estudantes brasileiros, em um bate-papo conduzido pela professora Clarissa Marques, doutora em Direito e pós-doutoranda na Nova Escola de Pesquisa Social, em Nova Iorque. A videoconferência foi organizada pelo Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes, em parceria com os cursos de graduação das três instituições de ensino superior.
Trenticosta e Herrero fizeram uma análise da pena de morte nos Estados Unidos com abordagens histórica, jurídica, política e social. “A oitava emenda da Constituição Americana diz que não deve haver punição ou tratamento cruel a pessoas, mas a Suprema Corte diz que não é cruel matar alguém no corredor da morte”, ironiza Nicholas Trenticosta.
Em 1973, a Suprema Corte Americana declarou a pena de morte inconstitucional – já que o condenado não podia apresentar ao júri razões para não ser executado – e reconheceu que a situação colocava os negros em desvantagem. A partir daí, alguns estados reformaram as leis e incluíram dispositivos que permitissem ao réu apresentar provas de sua inocência. Hoje, nos EUA, dos 50 estados, 31 ainda possuem pena de morte, além do distrito federal.
Promotores racistas e júri branco
No final da década de 1980, a situação do estado da Geórgia levantou a discussão sobre racismo e pena de morte nos Estados Unidos. O número de condenações em casos de vítimas brancas era 11 vezes maior, se comparado aos casos cujas vítimas eram negras. “Pessoas negras que mataram pessoas brancas foram sentenciadas 22 vezes mais do que negras que mataram negras”, compara Nicholas Trenticosta.
Para o advogado norte-americano, a eleição de promotores públicos de forma política, pelo voto, é um dos fatores que mantêm o racismo atrelado à pena de morte nos EUA. “Na Geórgia, os promotores pediram a condenação de 70% dos acusados negros que mataram brancos. No mesmo estado, se a vítima também era negra, os mesmos promotores só pediram pena de morte em 15% dos casos”, exemplifica Nicholas.
Outro fator identificado como agravante é a formação de júris com 100% de pessoas brancas. “A promotoria pode solicitar a substituição de qualquer jurado. Os promotores geralmente solicitam a retirada de pessoas negras e os juízes, que também são políticos eleitos, acatam”, reclama o advogado. Para escapar à pena de morte, o condenado tem uma missão praticamente impossível – precisa comprovar a postura racista do promotor. “Em outras áreas do direito é possível processar. Mas isso não acontece nos casos de negros condenados por homicídio”, diz Trenticosta.
Advogados investigadores
Ao contrário do que acontece no Brasil, os advogados norte-americanos têm poder de investigação. Nicholas e Susana se debruçam sobre a neurociência e trabalham em parceria com médicos e psicólogos para investigar casos de pena de morte. “Trabalhamos com a reconstrução da vida de um assassino para entender como ele cometeu aquele crime terrível. Em boa parte dos casos encontramos problemas mentais, histórico de abusos sexuais, condições subumanas de sobrevivência”, explica Susana Herrera.
De acordo com a advogada, grande parte dos assassinos apresenta uma lesão na área frontal do cérebro, causada por pancada ou má formação. “Essa é a parte do cérebro que nos faz decidir entre certo e errado. E há questões genéticas também envolvidas. Acreditamos que, no futuro, poderemos mapear esse tipo de problema por meio do teste de DNA”, vislumbra Susana.
Mas o trabalho de investigação de advogados não é acessível a toda a população carcerária, pois custa caro. O Presídio da Louisiana, por exemplo, dispõe de um cemitério para enterrar a maioria dos seus mortos, cujas famílias sequer têm condições financeiras para o sepultamento. “Só os ricos conseguem escapar à pena de morte”, diz Nicholas Trenticosta. Enquanto isso, nas salas solitárias do corredor da morte, cerca de três mil norte-americanos – negros em sua maioria – permanecem enclausurados, em um ritual desesperador de contagem regressiva até o dia em que receberão uma injeção letal, carregada de barbitúricos, produtos químicos músculo-paralisantes e de uma superdose de preconceito racial.