O Dia dos Namorados, dia 12, traz sentimentos e lembranças alegres, carinhosas e prazerosas para muitos. Para outras pessoas, contudo, traz memórias tristes, amargas, marcadas muitas vezes por pessoas que agem movidas por conceitos distorcidos de amor. São histórias de controle, ciúme, posse e subjugação, que descambam em brigas, conflitos e até em casos de agressão, crimes de morte e suicídios. Este é o cenário dos relacionamentos abusivos, apontados como causa da grande maioria dos episódios de violência doméstica e dos chamados “crimes passionais”.
Estima-se que 80% dos casos de relacionamentos abusivos têm o homem como algoz e a mulher como vítima. Uma estatística da ONU Mulheres, braço da Organização das Nações Unidas (ONU) para questões femininas, aponta que 70% das mulheres já sofreram algum tipo de abuso (físico, sexual ou psicológico) do próprio parceiro, e que cerca de 243 milhões de mulheres, entre 15 e 49 anos, foram vítimas destes crimes nos últimos 12 meses.
Mas o que faz um namoro ou casamento ser classificado como abusivo? Muitos deles não estão necessariamente relacionados à agressões físicas ou sexuais. Segundo a psicóloga Vladya Lira, professora do curso de Psicologia do Centro Universitário Tiradentes (Unit Pernambuco), eles envolvem pequenas atitudes e comportamentos demonstrados por umas das partes para limitar a vida e a autonomia da outra. “O abuso pode chegar até à morte, mas começa com coisas simples: sinais de ciúme, manipulação, diminuição da autoestima do outro, mudança da percepção sobre si mesmo, isolamento da pessoa do seu meio familiar e tem também o abuso patrimonial, que é o controle financeiro”, lista ela.
As causas apontadas para os abusos nos relacionamentos estão ligadas, de acordo com Vladya, ao histórico patriarcal e ao comportamento machista da sociedade, que encara as mulheres como um objeto de valor a ser “conquistado” e que deve ser “propriedade” do homem. Isso acaba impulsionando uma série de atos que, em princípio, são considerados inofensivos, como superproteção, demonstrações excessivas de “amor” e sugestões de mudanças de comportamento. Em outros aspectos, o homem acaba diminuindo e desvalorizando a mulher publicamente, fazendo críticas e comentários pejorativos. A psicóloga ressalta que essa sequência de atos e humilhações prejudicam a autoestima da vítima, gerando depressão, melancolia, ansiedade e até a anulação completa da pessoa como sujeito.
Como tratar
Vários dos casos de vítimas de relacionamentos abusivos acabam desaguando nos sistemas de justiça e de segurança, visto que muitos dos algozes acabam presos por violência doméstica ou alvos de processos de divórcio ou medida protetiva. Por envolver essas outras áreas, o tratamento dessas vítimas precisa ser multidisciplinar. Devido à temática ser muito complexa, o trabalho tem advogados, psicólogos e, muitas vezes, envolve os assistentes sociais. A gente vai seguir a Lei Maria da Penha dentro desse processo”, diz Lira, referindo-se à lei que aumentou as punições aos agressores de mulheres.
No próprio ramo da psicologia, o tratamento das vítimas de relacionamento abusivo é igualmente complexo, envolvendo uma “desconstrução” de conceitos e estereótipos arraigados nas próprias mulheres. “Ela tem que tentar romper com essa padronização, essa forma de se relacionar com o mundo, que repete situações de violência que várias mulheres passaram, acreditando que tudo que elas estavam abrindo mão era em nome do amor. Essa ideia de se sentir desprotegida, de sentir que o lugar dela é de obediência, de sentir que o lugar dela é de ser indefesa”, explica Vladya, destacando que o trabalho psicológico é feito no sentido de resgatar a autoestima, a autonomia e o empoderamento das vítimas. “Nosso trabalho é ajudá-la a se apropriar das suas potencialidades, dos cuidados consigo mesma, do limite que ela pode dar pro outro. E fazê-la entender que amor não dói e não machuca. Que ela não precisa ocupar esse lugar de repetição de histórias que ela já escutou”, ressalta.
Esse atendimento é prestado em Centros de Apoio à Mulher, existentes e mantidos pelo poder público em praticamente todos os estados brasileiros, através de uma articulação entre as polícias, o SUS (Sistema Único de Saúde) e os Tribunais de Justiça dos Estados. A professora da Unit aponta que outro trabalho para combater os relacionamentos abusivos passa pela educação, principalmente relacionado à igualdade de gêneros e de direitos. “Eu acho que a forma de cuidar dessas questões é trabalhar a prevenção nas escolas, trazendo discussões sobre o que é ser quer ser mulher, o respeito às diferenças e aos grupos LGBT”, pontua.
Asscom | Grupo Tiradentes