Mais de 50% das adolescentes brasileiras já utilizaram algum método contraceptivo, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PENSE), de 2019. Entre as opções mais populares, a pílula anticoncepcional se destaca, oferecendo benefícios que vão além da prevenção da gravidez, como o controle do ciclo menstrual, alívio de cólicas e acne. No entanto, o uso contínuo de anticoncepcionais desde a adolescência levanta questões sobre seus impactos a longo prazo na saúde da mulher.
De acordo com a médica ginecologista e professora da Universidade Tiradentes (Unit), Thayana Farias, os impactos do uso contínuo de anticoncepcionais variam consideravelmente, dependendo do método escolhido e do perfil clínico da mulher. Ela ressalta que os impactos podem ser positivos ou negativos e destaca a importância de uma avaliação individualizada.
“Por exemplo: o DIU não hormonal pode ser um excelente método para mulheres que não desejam interferência hormonal nos seus ciclos, mas poderia gerar impacto negativo naquelas que sofrem com cólicas ou sangramento intenso. Já os métodos hormonais, podem ser utilizados para controlar alguns problemas que incomodam as pacientes: como acnes, fluxo menstrual aumentado, cólicas e outros. Mas antes de sua utilização deve ser avaliado com cuidado se essas pacientes possuem algum tipo de contraindicação ao seu uso, como aquelas com risco trombose aumentado”, explica.
Saúde ginecológica e exames de rotina
Thayana enfatiza a necessidade de atenção não apenas à saúde ginecológica, mas também à saúde geral das mulheres que utilizam contraceptivos desde a adolescência. “Às vezes, mulheres começam a usar anticoncepcionais quando são jovens, estão com peso adequado e sem doenças, mas ao longo dos anos, devido ao processo natural de envelhecimento, algumas ganham peso e desenvolvem condições como diabetes, hipertensão, colesterol alto, entre outras. Nesse contexto, é importante revisar o método anticoncepcional utilizado, pois o que era adequado aos 16 anos pode não ser mais aos 40. Não se trata do método ‘deixar de ser eficaz’ ou ‘fazer mal com o uso prolongado’, como muitas pacientes pensam. A questão é que o perfil clínico da paciente mudou e já não se adapta àquele método”, orienta
Além disso, a ginecologista também alerta para aquelas que utilizam o método não hormonal, ou seja, o DIU não hormonal. Dessa forma, é preciso reavaliar periodicamente o seu posicionamento. “Os exames de rastreio ginecológicos, Papanicolau e Mamografia, não mudam em indicação e frequência, independe de a mulher utilizar um método anticoncepcional ou não”, observa Thayana.
Fertilidade e os mitos associados
Um ponto crucial abordado pela especialista, e que é muito questionado pelas mulheres, é a falsa associação entre o uso prolongado de anticoncepcionais e a infertilidade. A médica esclarece que, na maioria das mulheres saudáveis, a fertilidade é restaurada rapidamente após a interrupção do método. Exceto no caso dos injetáveis trimestrais, esse por ser um medicamente de depósito, a mulher pode demorar até 18 meses para voltar a ter ciclos regulares. Já no caso do DIU de cobre, a mulher continua ovulando normalmente, se ele estiver fora do lugar, a gravidez já é possível.
“O que faz com que algumas mulheres tenham dificuldade de engravidar após longos anos utilizando contraceptivos hormonais é principalmente causado pelo fato delas terem alguma patologia que esteja relacionada à infertilidade (como Endometriose ou Síndrome dos Ovários Policísticos, por exemplo). Às vezes elas só descobrem que tem tal doença quando decidem tentar engravidar e interrompem o uso do anticoncepcional, mas a patologia não foi causada pelo contraceptivo, elas já a tinham só não sabiam”, alerta.
É fundamental que o método anticoncepcional seja reavaliado em toda a consulta ginecológica. “Se identifico na consulta uma inadequabilidade do método ao perfil clínico atual da paciente, ou uma insatisfação da paciente com algum efeito adverso possivelmente causado pelo método contraceptivo, sempre oriento a troca. Agora se a paciente estiver bem adaptada, utilizando adequadamente, e não tiver nenhuma contra indicação, não precisa trocar, mesmo que tenham surgido novas opções no mercado”, aponta.
Benefícios e desafios
Desde 1948, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos formulada pela Organização das Nações Unidas (ONU), os Direitos Sexuais e Reprodutivos são considerados direitos básicos do ser humano, tão importantes quanto os direitos à vida, alimentação, saúde, moradia, educação e afeto. Isso faz com que a autonomia proporcionada pelo controle contraceptivo seja inegável.
“O principal benefício sem dúvida está na autonomia, no fato da mulher decidir quando quer ser mãe e se quer ser. Entende-se saúde sexual e reprodutiva como a habilidade de qualquer ser humano desfrutar e expressar sua sexualidade, sem riscos de doenças sexualmente transmissíveis, gestações não desejadas, coerção, violência e discriminação. Nesse contexto, o acesso a métodos contraceptivos é um instrumento indispensável para a garantia desse direito”, elenca.
Contudo, a médica também aponta desafios, como a dificuldade de acompanhamento adequado e a desinformação. “Muitas mulheres ainda se automedicam, utilizando o método ‘que a amiga recomendou’ sem o aconselhamento de um profissional habilitado, e muitas vezes se expondo a riscos evitáveis. Outras até foram aconselhadas por profissionais no início do uso, mas passam anos sem voltar ao ginecologista para uma reavaliação do método”, infere.
Ao parar o anticoncepcional, algumas mulheres relatam queda de cabelo, acne e menstruação desregulada. Thayana explica porque isso acontece. “Esses são sintomas bem clássicos de hiperandrogenismo, o que antigamente era inadequadamente chamado de ‘excesso de hormônios masculinos’, e muitos anticoncepcionais hormonais disponíveis no mercado atualmente possuem substâncias anti androgênicas, ou seja que contrabalanceiam esse excesso de hormônios”, pontua.
Para evitar esses sintomas, a médica alerta que é necessário investigar se a paciente tem de fato uma síndrome hiperandrogênica, sendo a mais conhecida delas a Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP), que é a doença endócrina mais comum na mulher em idade fértil, mas não é a única que pode causar esse tipo de sintoma. “A investigação envolve a suspensão do método anticoncepcional, então é necessário junto com a paciente, decidir qual o melhor momento de fazer essa avaliação. Se a mulher não pode interromper o método, ela pode decidir junto com sua ginecologista uma estratégia para melhor controle desses sintomas. E as opções são muitas: vão desde não parar o anticoncepcional, até medidas como atividade física intensa, dieta adequada e controle de peso, que são ações que comprovadamente ajudam no controle da SOP”, recomenda Thayana.
Controle e autonomia
A escolha de um método contraceptivo, segundo Thayana, nunca deverá ser uma imposição do profissional de saúde, mas sempre uma decisão da paciente, tomada com base nas informações oferecidas por ele.
“Devemos começar a oferecer informações sobre contracepção antes mesmo das meninas iniciarem a vida sexual, precisamos quebrar esse tabu. O momento da iniciação sexual é um momento de muitos riscos tanto da aquisição de doenças quanto de gravidez indesejada, por isso é interessante que elas já iniciem tendo algum grau de instrução sobre formas de contracepção, de preferência com informações oferecidas por sua ginecologista, e não adquiridas erroneamente muitas vezes de fontes não seguras, como o famoso ‘minha amiga me falou’”, finaliza.
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