A vida nas comunidades quilombolas, que reúnem descendentes dos negros escravizados no Brasil entre os séculos XVI e XIX, está agora retratada nas telas de cinema. Isso foi possível a partir de uma pesquisa realizada pelo Programa de Mestrado e Doutorado em Saúde e Ambiente (PSA), da Universidade Tiradentes (Unit Sergipe). Um grupo de alunos e professores do programa acompanhou o dia-a-dia da comunidade da Maloca, no bairro Getúlio Vargas, em Aracaju, que reúne 91 famílias quilombolas e foi reconhecida oficialmente em 2007 pela Fundação Cultural Palmares, ligada ao governo federal.
O trabalho de promoção à saúde com a comunidade resultou no documentário Quilombo Urbano Maloca, que está disponível no YouTube e é um dos participantes do festival online Cine Caatinga – Experiências Audiovisuais no Sertão, promovido pela Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), em parceria com produtores locais. O vídeo concorre ao Prêmio Júri Popular e ao Troféu Cabrito Dourado, ao lado de outras 39 produções de todo o Nordeste. A pesquisa também foi apresentada e publicada nos anais do 8º Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde, realizado em setembro de 2019 pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), em João Pessoa (PB).
Segundo a professora Cristiane Costa da Cunha Oliveira, integrante do PSA e orientadora do projeto, a ideia do documentário surgiu em meio às aulas e discussões da disciplina de Diagnóstico e Intervenções Interdisciplinares. “Os alunos foram desafiados a fazer o diagnóstico de comunidades e realizar algum tipo de intervenção utilizando ferramentas interdisciplinares como curta-metragens, publicações de artigos em jornais e ou redes sociais que pudesse redundar em algum benefício futuro para os diversos públicos-alvo que seriam selecionados pelos grupos”, explicou ela.
O desafio foi aceito pela então doutoranda Maria Aparecida Conceição Nunes (que fez a direção e roteiro) e pelos mestrandos Aline Barreto Hora, Tatyane Andrade dos Santos, Julia Caroline Santos, Janaina Eduarda Amarante Bispo, Paulo Celso Curvelo Junior e Ricardo Marques Nogueira Filho. Eles registraram um trabalho de campo realizado na Maloca em 2018, com atividades interdisciplinares sobre o Setembro Amarelo, uma campanha mundial de prevenção do suicídio. Em meio ao trabalho, entrevistaram algumas moradoras, que relataram o modo de vida, as experiências e os desafios enfrentados no cotidiano da localidade.
O foco do projeto foi sobre as condições de vida em quilombos urbanos como a Maloca. De acordo com Cristiane, eles geralmente são afetados pela vulnerabilidade social e econômica, bem como pela urbanização crescente dos centros urbanos, que traz consigo vários impactos. “Problemas de ordem ambiental, com poluição do ar, dificuldades com o Saneamento, acometimento pelos quilombolas com doenças crônicas não transmissíveis, bem como os diversos tipos de violência nos espaços destas comunidades antes planejados para serem potenciais espaços saudáveis e de bem-estar social. Estes problemas podem ter se agravado com a crise econômica e de saúde que surgiu com a pandemia da Covid-19”, diz ela.
Políticas públicas
O grupo de Pesquisa em Saúde Coletiva, ligado ao PSA da Unit, desenvolve projetos para minimizar os problemas encontrados nas comunidades tradicionais, envolvendo integrantes do próprio programa e alunos da iniciação científica. As ações são voltadas ao tratamento de doenças, melhoria da imagem corporal e da saúde bucal, políticas públicas de saúde, arranjos produtivos e empoderamento de mulheres. A partir de cada uma delas, são produzidas cartilhas, livros, vídeos educativos e oficinas e rodas de conversa com a população sobre os resultados encontrados.
Para a professora Cristiane, os quilombos urbanos precisam de outras políticas públicas que preencham lacunas ainda presentes em aspectos de saúde, educação, territoriais e socioeconômicos. Entre elas, a promoção da saúde mental. “No diagnóstico apontado, foi percebido que haveria a necessidade de criação de grupos de convivência para idosos na Maloca, com atividade física, lúdicas e educativas. Outra questão é o potencial agravamento do quadro da situação de saúde e socioeconômica destas comunidades com a pandemia. Além do monitoramento das políticas existentes para a população quilombola, deve haver planejamento com ações e políticas intersetoriais que permitam considerar este contexto com melhor planejamento do território, ações preventivas e educativas em saúde”, considerou.
Outro filme
Quilombo Urbano Maloca não é o único documentário sobre a vida nos quilombos. Uma segunda pesquisa nessa mesma linha, e também desenvolvida pelo núcleo do PSA, deu origem ao filme Tijuaçu: samba, superação e empoderamento, também dirigido pela professora Aparecida Conceição Nunes, que mostra a vida na comunidade quilombola Tijuaçu, em Senhor do Bonfim (BA), que tem cerca de 830 famílias quilombolas, foi reconhecida oficialmente em 2014 e é conhecida pela tradição do samba de lata.
O vídeo foi escolhido para participar do Festival Balaiano, promovido pela Secretaria de Estado da Cultura da Bahia, que vai acontecer em maio próximo e vai divulgar outras 54 obras artísticas de todo o estado, entre performances, shows musicais, curtas, fotografias e artesanato. Para Aparecida, o trabalho “faz parte da proposta de empoderar essas comunidades por meio da intervenção acadêmica e da visibilidade que o documentário propicia”.
Asscom | Grupo Tiradentes