Uma pianista sergipana que marcou época entre as décadas de 1930 e 1980 teve sua história e sua obra resgatada em uma tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPED) da Universidade Tiradentes (Unit Sergipe). A pesquisa “No compasso, ligeiro, da pianista Helena Lorenzo Fernandez: entre práticas pedagógicas, concertos e diplomacia musical brasileira (1931-1985)”, do professor-doutor Elias Souza dos Santos, foi indicada para concorrer ao Prêmio Capes de Tese, concedido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) para as melhores teses produzidas nas universidades brasileiras.
A pesquisa resgatou a história da musicista e educadora Helena Lorenzo Fernandez, nascida em 1914, como Helena Abud, e falecida em 2003. Filha de imigrantes sírios que chegaram em Sergipe no início do século XX, ela se destacou já nos anos 1930 como a primeira professora de música da Casa da Criança, o primeiro jardim de infância criado no Estado, e por ter criado um Curso de Teoria e Piano. “De um modo geral, Helena mobilizou o campo do ensino da música, em Aracaju, nas décadas de 1930 e nos dois primeiros anos da década de 1940. Formou um número significativo de musicistas e docentes que deram continuidade ao ensino da música em Aracaju”, afirma Elias, que é regente de corais e membro do Grupo de Pesquisa em História da Educação no Nordeste (GPHEN/Unit).
Em 1943, Helena mudou-se para o Rio de Janeiro e passou a estudar Canto Orfeônico, uma disciplina que na época fazia parte do currículo das escolas. Entre seus professores, estavam o compositor Heitor Villa-Lobos (1887-1959) e o maestro Oscar Lorenzo Fernandez (1897-1948), com quem teve um relacionamento e atuou como pianista, em turnês de divulgação de obras eruditas compostas por ele. Com a morte repentina do companheiro, após um concerto, passou a trabalhar como professora em conservatórios nacionais de música sediados no Rio, além de criar e dirigir, por 12 anos, a Academia de Música Lorenzo Fernandez.
“Todas essas experiências fizeram-na uma mulher conhecida e respeitada pelos seus pares e pelas autoridades brasileiras. Não é à toa que o ministro Vasco Leitão [da Cunha, chanceler do Brasil durante o governo Castello Branco] a convidou para compor a Missão Cultural Brasileira em Assunção, no Paraguai. Possivelmente, no Brasil de 1960, Helena era a educadora mais habilitada para assumir o cargo de adido cultural na diplomacia cultural brasileira”, explica Elias, referindo-se à carreira internacional de Helena Fernandez. Durante as décadas de 1960 e 1970, ela integrou missões culturais brasileiras no Paraguai, na Argentina, na Espanha e na França.
Sua missão de maior destaque foi a reformulação do ensino de música nas escolas paraguaias, onde formou regentes, apresentou um programa de rádio sobre música brasileira e até regeu um coral com mais de 4 mil estudantes, em 1968. O autor destaca ainda que Helena, “em todos os países nos quais laborou, empreendeu intercâmbios entre intérpretes brasileiros e estrangeiros, levou maestros brasileiros para ministrar cursos no exterior e formou uma rede de sociabilidade internacional composta por pessoas influentes e amantes das artes”.
Importância e legado
Elias destaca que a musicista sergipana teve um papel fundamental na consolidação do ensino de Música no Brasil. “Não é somente a singularidade da pessoa de Helena que importa nesta tese, mas, sobretudo, as práticas culturais desenvolvidas pelas instituições educativas, nas quais ela esteve vinculada. Formação docente, práticas pedagógicas, histórias da educação infantil, da educação musical escolar, da música, da educação nacional e estrangeira, da condição da mulher concertista, frente ao direito civil, à docência, entre outras. A partir do itinerário de Helena, surgem mulheres e homens, educadoras e educadores, musicistas, concertistas, maestros, maestrinas, compositores e musicistas diplomatas”, ressalta o professor.
A pesquisa se baseou em depoimentos, entrevistas, discos, fotografias, documentos, jornais da época, uma autobiografia escrita pela própria Helena e livros escritos pelo professor e jornalista Luiz Antônio Barreto (1944-2012), um dos maiores pesquisadores da historiografia sergipana. O doutor em Educação conta que procurou abordar diversos temas na sua tese, incluindo alguns que eram desconhecidos e outros estavam apagados e silenciados.
“Esta tese rompe os silêncios, os apagamentos e concede um lugar de destaque a Helena, às mulheres e aos homens que foram mencionadas/os nesta investigação e que estiveram, direta ou indiretamente, vinculadas/os à vida da musicista. As três fases do itinerário profissional de Helena trazem novidades, evidenciam episódios inéditos, revelam práticas educativas pouco conhecidas e me levaram a relativizar o papel da mulher no Brasil, no período de 1931 a 1985. Assim, a história dessa docente traz contribuições significativas à escrita da História e à escrita da História da Mulher no Ocidente”, afirma Elias.
A tese foi aprovada no PPED e indicada pelo programa para concorrer ao Prêmio Capes, cujo resultado será divulgado em dezembro deste ano. A indicação surpreendeu o egresso. “Eu sabia que o objeto era maravilhoso e me dediquei ao máximo na leitura, nas análises e nas buscas por fontes que pudessem me ajudar a entender a trajetória dessa educadora. Eu estou tranquilo. Mesmo que não seja premiado, sei que a minha tese está entre as melhores do Brasil. Eu faço pesquisa por paixão e como já evidenciei, não elaborei um texto pensando na premiação. Então, tudo para mim foi uma grande surpresa”, comemora Elias, que pretende publicar a tese no formato de livro e foi convidado para a produção de um documentário.
Asscom | Grupo Tiradentes