Rosângela Sibele Melo, 41 anos, desempregada e mãe de cinco crianças, foi presa em flagrante em setembro deste ano e ficou duas semanas detida. A acusação: o furto de R$ 20 em alimentos em supermercado de São Paulo, para matar a fome dela e dos filhos. “Quando eu roubei, não pensei muito. Estava com muita fome. Só pensei em comer”, disse ela, após ser solta por força de um habeas-corpus impetrado pela Defensoria Pública paulista junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que anulou uma decisão de segunda instância para manter a prisão dela.
O caso ganhou uma grande repercussão na imprensa e indignação maior ainda na população e até nos meios jurídicos. Foi muito comentado sobre os motivos que levam uma pessoa a roubar comida, seja para suprir sua própria necessidade ou de seus filhos, e abriu discussão sobre o chamado furto famélico, termo usado para definir o furto de qualquer produto necessário para a sobrevivência humana.
A legislação brasileira não considera crime o caso no qual a pessoa que furta precisa do produto furtado para uma necessidade imediata. Mesmo assim, é possível observar que pessoas continuam sendo presas quando isso ocorre. Nos termos do artigo 155 do Código Penal, o furto é caracterizado como um crime, logo, uma conduta que prevê a punição do infrator, caráter que é valorizado pela sociedade.
Para o professor de Direito Penal Rodrigo Ferro, do curso de Direito do Centro Universitário de Tiradentes (Unit Alagoas), o senso comum da população não perdoa “o chamado ladrão”, que subtrai bens alheios em vez de conquistá-los. “Entretanto, costuma isentar aqueles que, por vivenciar uma situação miserável, sem alimentação, praticam o furto com o único intento de saciar sua fome ou a de crianças”, observa.
O mestre em Direito Público ressalta também que deve-se observar a motivação para a ação considerada criminosa, sendo a fome uma delas. “O roubo, para evitar inanição, para sobrevivência própria ou de um ente querido, deixa de ser entendido como ato criminoso e perde totalmente a sua natureza criminal, enquadrando-se em uma das causas que o próprio Código Penal admite como exclusão de ilegitimidade, em razão do estado de necessidade pela qual o indivíduo esteja passando, conforme previsto nos artigos 23, inciso I, e 24”, diz Ferro.
Aumento da fome
De acordo com o inquérito “Insegurança alimentar no contexto da pandemia no Brasil”, realizado entre 5 e 24 de dezembro de 2020 pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan), mais de 19 milhões de Brasileiros encontram-se em estado de insegurança alimentar grave. Os resultados mostram que nos três meses anteriores à coleta de dados, apenas 44,8% dos lares tinham seus moradores e suas moradoras em situação de segurança alimentar. Isso significa que, em 55,2% dos domicílios, os habitantes conviviam com a insegurança alimentar, um aumento de 54% desde 2018 (36,7%). São os mesmos patamares que o Brasil tinha em 2004.
Nos meios jurídicos, entende-se que isso acontece devido à falta de investimento do Estado em políticas públicas assistenciais e que efetivamente garantam o direito à alimentação, de acordo com o que está presente na Emenda 64 ao artigo 6º da Constituição.
“O Direito, ao tratar sobre as causas que excluem a ilicitude da conduta, dentre elas, o estado de necessidade e a legítima defesa, por exemplo, observa o conflito de direitos e, neste caso, a necessidade do sacrifício de um direito por outro mais importante. Aqui temos o patrimônio e a subsistência, a vida e, por conta disso, não precisamos de muito esforço para perceber que, entre um patrimônio e a busca pela alimentação e manutenção da vida, esta deve ser mantida”, afirma Rodrigo.
Asscom | Grupo Tiradentes
com informações do UOL