A promoção da Lei 9605/98 à Lei nº 14064/2020 é mais um avanço no combate aos maus tratos contra cães e gatos. Conhecida como Lei Sansão, o texto prevê o aumento da pena de três meses a um ano para até cinco anos de prisão. No entanto, a medida tem levantado questionamentos do porquê cães e gatos contam com forte proteção legal, em contraste com a despreocupação ao tratamento dispensado a bovinos, suínos e aves, inerente aos modelos de criação industrial intensiva.
“Todo o arcabouço jurídico foi construído numa perspectiva de uma visão antropocêntrica, onde o animal é enxergado como coisa e, portanto, a sua existência no meio ambiente é de serventia para o bem estar do humano. Hoje, estamos vivendo um processo de desconstrução dessa visão, não só no aspecto legislativo, mas também de mentalidade da sociedade. Assim, passo a passo pretende-se avançar para as outras espécies”, explica o professor de Direito da Universidade Tiradentes (Unit), Renato Cruz.
O Direito Animal ainda é restrito em relação aos animais de exploração econômica, pois existe um conflito de interesses envolvendo diversos setores como alimentar, cultural e científico. “O Brasil é um país de consumo em larga escala de carne de origem animal e romper com essa tradição não será um processo fácil, mas lento. Além do mais, cães e gatos tornam-se mais fáceis essa tutela, porque não integram o cardápio da alimentação do brasileiro e são os animais que mais fazem parte do convívio diário do homem”, argumenta.
Outro grupo de animais prejudicados são os silvestres, a exemplo de papagaios, vítimas constantes de tráfico. Segundo Cruz, a Lei 9605/98 prevê punição com pena de seis meses a um ano em casos de crimes contra a fauna silvestre. “Há uma proteção dada pelo direito penal. No entanto, não basta apenas a previsão repressora neste caso, pois urge do Estado brasileiro uma atuação mais incisiva através dos seus órgãos de proteção ambiental, visando combater qualquer espécie de delito contra os animais silvestres, em especial o seu tráfico”, ressalta.
“Além disso, é preciso construir na sociedade uma visão de que os animais, em seu ambiente de existência, são sujeitos de uma vida e como tal tem o direito à existência no seu habitat natural. É enxergar os animais como sujeitos de direitos e não objetos de satisfação do bem-estar da humanidade. É despojar-se da visão antropocêntrica para viver um modelo de percepção biocêntrica onde o homem e o animal possam viver em harmonia, pois possuem igualdade moral”, conclui o professor.
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