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Como funciona a saída temporária de presos e porquê ela é contestada

O benefício é previsto na legislação e tem o objetivo de auxiliar a ressocialização, mas é criticado devido a crimes cometidos por detentos que não retornam aos presídios

às 11h05
A Lei de Execuções Penais prevê que os detentos do semiaberto deixem os presídios durante sete dias, em datas comemorativas: benefício polêmico (Akira Onuma/Agência Pará)
A Lei de Execuções Penais prevê que os detentos do semiaberto deixem os presídios durante sete dias, em datas comemorativas: benefício polêmico (Akira Onuma/Agência Pará)
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O sistema carcerário brasileiro voltou ao debate na primeira semana de 2024, por causa do benefício da saída temporária concedida a detentos do sistema prisional. Previsto pela Lei de Execuções Penais (LEP), ele autoriza condenados que cumprem pena no regime semiaberto a deixarem os presídios durante sete dias para passar feriados e datas comemorativas com seus familiares. O Senado Federal deverá colocar em votação um projeto aprovado em agosto do ano passado pela Câmara dos Deputados, que extingue a saída temporária e aumenta as possibilidades de monitoração eletrônica de cada preso, além de estabelecer a realização de exame criminológico para progressão de regime. O projeto está na Comissão de Segurança Pública da casa e ainda não foi votado por falta de consenso entre os integrantes. 

O endurecimento das regras vem sendo reivindicado por grande parcela da sociedade, diante da repercussão de crimes cometidos por detentos que receberam o benefício e não retornaram à prisão dentro do prazo determinado. O mais recente deles foi a morte do policial militar Roger Dias da Cunha, 29 anos, que foi baleado no último dia 5, ao tentar prender dois homens que praticavam assaltos em uma avenida de Belo Horizonte (MG). Um dos suspeitos, apontado como autor dos tiros, deveria ter retornado à cadeia no dia 23 de dezembro e foi autorizado a sair mesmo com o parecer contrário do Ministério Público, pois já era investigado por outros 18 crimes, como roubo e tráfico de drogas. 

A LEP prevê que os condenados à prisão cumpram a pena em três regimes: o fechado, o semiaberto (no qual o detento trabalha fora e dorme na prisão) e o aberto. E estabelece que apenas os presos do semiaberto podem sair temporariamente quatro vezes por ano, desde que atendam a critérios e regras. “A lei exige que o condenado tenha bom comportamento; que tenha cumprido no mínimo 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente. Não terá direito à saída temporária o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo com resultado morte. Além disso, o juiz deverá avaliar se há compatibilidade do benefício com os objetivos da pena”, explica o professor Ronaldo Marinho, do curso de Direito da Universidade Tiradentes (Unit). 

Ele esclarece ainda que a saída temporária existe dentro da lógica de ressocializar e reintegrar os detentos à família e à sociedade. “A pena de prisão tem a função punitiva, retribuindo pelo mal causado, mas tem a função reintegradora, de ressocializar o indivíduo que cometeu o crime. A saída temporária é uma das medidas de readaptação do apenado ao convívio social, já que ele está próximo de ganhar sua liberdade com o cumprimento do período de pena no regime semiaberto”, ressalta Ronaldo. Este argumento é defendido inclusive por advogados e especialistas que estudam o sistema carcerário. 

Um dos problemas apontados pode estar na aplicação e no cumprimento dos requisitos, afetada principalmente pela superlotação das penitenciárias brasileiras e pelo excesso de processos em tramitação nas Varas de Execuções Penais. “Em virtude disso, pode ser que o juiz não tenha tempo suficiente de avaliar com maior detalhe cada caso e, com isso, impedir a saída de algumas pessoas que ainda são perigosas”, admite o professor, ponderando também que existe a necessidade de mudar a lei e os requisitos da saída temporária. “Precisamos reorganizar a execução da pena no país, exigir maior controle e avaliação na concessão dos benefícios, limitar a saída temporária aos crimes praticados sem violência ou grave ameaça a pessoa e impedir em todos os crimes hediondos”, completa.

Saídas x crimes

Outro argumento considerado no debate está na evasão de detentos que receberam o benefício e não retornaram aos presídios após o fim do prazo estabelecido. Esses dados são apurados pelos sistemas penitenciários de cada estado, mas resultaram em uma média nacional de 4,3%, considerada muito baixa. O professor da Unit cita esse dado ao contrapor uma possível relação da saída temporária com o aumento da criminalidade. 

“Alguns estudos realizados em outros estados indicam que não há essa relação direta, o que existe é uma maior sensação de insegurança da população que vê algumas dessas pessoas cometendo crimes durante essas saídas. Nós sabemos que as redes sociais também ampliam essa sensação com a repetição de fatos que aconteceram em outros estados e até em anos anteriores, ampliando ainda mais a sensação de medo e insegurança”, considera Ronaldo, que sugere como medida o agravamento das penas de quem saiu e não retornou, exigindo que o restante da pena seja cumprido integralmente em regime fechado.   

Marinho não acredita no fim do benefício como uma medida necessária, embora não veja nenhuma inconstitucionalidade nesta proposta. Para ele, outras questões deveriam ser melhor discutidas quanto a esse tema. “Entendo que precisamos investir mais no sistema penitenciário, melhorar as condições de execução da pena, humanizá-la, porque a prisão deve se cumprida com dignidade e condições de recuperar o cidadão, com políticas públicas de acompanhamento das pessoas que saíram da prisão, com o objetivo de integrá-las socialmente e evitar a reincidência”, afirmou.

com informações da Agência Senado e da Rádio Itatiaia

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