Os desafios que envolvem os direitos das mulheres que trabalham com sexo, no Brasil e na América Latina, são o foco de uma tese de doutorado que está sendo desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos (PPGD) da Universidade Tiradentes (Unit). A pesquisa, de autoria da aluna Fernanda Caroline Alves de Mattos, é realizada em regime de doutorado-sanduíche, com parte dos trabalhos sendo desenvolvida desde outubro do ano passado na Pontificia Universidad Javeriana, em Bogotá (Colômbia).
O estudo se baseia em estudos sobre gênero, sexualidade e trabalho sexual, buscando uma reflexão sobre leis, garantias e políticas públicas que façam valer os direitos destas mulheres, considerando a realidade capitalista e latino americana. De acordo com Fernanda, a tese se vincula a dois projetos de pesquisa do PPGD: “Política Criminal e Direitos Humanos: Efetividade e Garantias Processuais”, que debruça-se sobre relações de gênero e violência; e “Direitos Humanos, Subjetividades e Acesso à Justiça”, que explora outros aspectos da sociedade e do Direito.
“Com relação ao segundo projeto, a ligação se dá por dois pontos: que é explorar outras formas de subjetividade e pensar os direitos humanos em sociedades complexas, mergulhadas por uma economia de mercado, que impactam nas relações de trabalho, nas expressões culturais e nas formas de realização social e cultural da vida digna. A união desses três pontos abordados no projeto são representativos do que a minha pesquisa se direciona, já que falo sobre gênero, violência, subjetividade feminina, trabalho sexual e dignidade”, explica a autora, ressaltado que os projetos fazem parte da linha de pesquisa Direitos Humanos na Sociedade.
Segundo ela, a tese seguirá a linha teórica conhecida como “Novo Marxismo”, que propõe uma nova leitura sobre as teorias do filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) e tem como expoentes o franco-argelino Louis Althusser (1918-1990), o russo Evgeni Pachukanis (1891-1937) e o brasileiro Alysson Mascaro, jurista e professor da Universidade de São Paulo (USP). “Como o marxismo tem alguns focos, de maneira muito resumida, como estudos sobre socialização, trabalho e ideologia, e eu falo de trabalho sexual, a análise parte desse contexto filosófico baseado em uma crítica marxista do direito. O direcionamento final na proposição do problema que apresento será resolvido a partir de diálogos entre teorias e formatação de um pensamento a partir delas, que servirá para pensar e debater o direito a partir dele”, explica Fernanda.
Para a pesquisadora, o impacto desses estudos para a sociedade vem da possibilidade de levantar discussões e pensar um caminho diferente para uma cultura política de gênero e sexualidade, com uma compreensão da continuidade das desigualdades das mulheres que trabalham com sexo dentro da realidade latino-americana capitalista. “A pretensão é, a partir do que aprendi e obtive de informações, além do acesso a publicações e bibliografia daqui, e em conjunto ao que já venho desenvolvendo, produzir meu texto de qualificação da tese, além da produção bibliográfica em língua estrangeira sobre temáticas correlatas”, diz.
A ideia da doutoranda foi aprofundar algumas questões sobre vulnerabilidade feminina no tráfico de pessoas para exploração sexual, assunto que ela começou a desdobrar em pesquisas durante a graduação em Direito na Unit e o mestrado na Universidade Estadual do Norte do Paraná (Uenp), em Jacarezinho (PR). “Existem dilemas, controvérsias e pontos que chamaram minha atenção ainda no mestrado (que não cabiam dentro da discussão prevista para a dissertação) e assim, eles deram margem para o direcionamento que venho dando agora no doutorado”, considera.
Na realidade colombiana
A pesquisa de Fernanda foi aprovada em 2023 pelo Programa de Doutorado-Sanduíche no Exterior (PDSE), promovido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes). Foi a primeira bolsista de doutorado do PPGD a ser aprovada no programa. O país escolhido foi a Colômbia, a partir da proximidade com a língua espanhola, do interesse na perspectiva da América Latina e de um contato prévio com a professora brasileira Manuela Trindade Viana, do Departamento de Relações Internacionais da Javeriana.
“A Colômbia, assim como o Brasil, além das estruturas de legislação sobre trabalho sexual que se parecem, tem uma cultura muito arraigada em valores patriarcais. Dessa forma, é interessante poder perceber que não somos uma ilha, isto é, a vivência latino americana é permeada de saberes, preconceitos e perspectivas que dialogam mesmo com a diversidade cultural que temos no continente. Dessa forma, a base de opressão capitalista se mostra diferente aqui, somos ex-colônias de exploração, e essa realidade se traduz de forma relevante para as percepções que necessito desenvolver para a tese”, justifica a sergipana.
Criada em 1623 e refundada em 1930, a Pontifícia Universidad Javeriana é vinculada à Igreja Católica colombiana e administrada pela Companhia de Jesus, congregação que sempre se dedicou às causas da educação. É também considerada a quarta maior universidade privada do país. Fernanda aponta que a Javeriana, assim como a Unit, também possui uma estrutura de ponta, que facilita o acesso a materiais e contatos com profissionais. “Estou tendo contato com profissionais de outras áreas da ciências humanas e sociais, o que está enriquecendo bastante meu arcabouço teórico para a tese, proporcionando um aprofundamento da interdisciplinaridade que favorece nossas análises jurídicas”, acrescenta a autora.
A tese tem como orientadoras as professoras Grasielle Vieira, do PPGD/Unit, Manuela Trindade Viana, da Javeriana, e Lydia Huerta Moreno, da University of Nevada (Estados Unidos). A pesquisadora retorna ao Brasil em julho deste ano e a previsão é de que sua tese seja defendida até março de 2026.
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