“Venho inventar um novo país/ Colar pedaços de sonhos de amor/ Basta de escuro/ Espadas de fogo/ Que os anjos nos abram os portões do paraíso”. Estes portões descritos em sentido figurado na música “Órfãos do Paraíso”, composta por Marcus Viana e cantada por Milton Nascimento, estão fechados para milhares de imigrantes considerados ilegais, que aos poucos estão sendo expulsos dos Estados Unidos. Desde o dia 21 de janeiro, por ordem do recém-empossado presidente Donald Trump, eles vêm sendo presos e deportados em voos enviados principalmente para países da Ásia e da América Latina. Segundo a Casa Branca, cerca de 11 mil imigrantes ilegais foram detidos até o último dia 9 de fevereiro.
A medida em si vem causando opiniões contrárias dentro e fora dos EUA. O conflito mais recente foi com o Vaticano, cujo líder máximo, o Papa Francisco, escreveu uma carta aos bispos e arcebispos norte-americanos, classificando o plano de deportações como “uma vergonha” que “fere a dignidade humana” e “terminará mal”. Ele também pediu que os fieis católicos não cedam a “narrativas que discriminam e causam sofrimento desnecessário aos nossos irmãos e irmãs migrantes e refugiados”. A carta gerou uma resposta ríspida do conselheiro da Casa Branca para questões de fronteira e imigração, Tom Homan: “Se atenha à Igreja Católica e deixe a fiscalização da fronteira conosco”.
A deportação é uma medida de controle do acesso de estrangeiros a cada país, que visa retirar os que ingressaram em desacordo com as leis locais de admissão. “Se a gente pensar na situação inversa, por exemplo, o estrangeiro que vem passear ou trabalhar no Brasil tem uma regra para entrar e ficar no nosso território. Do mesmo modo, quando um brasileiro vai para o exterior, existem regras que aquela pessoa precisa seguir para entrar no país. Eventualmente, se uma pessoa não segue essas regras, ela está sujeita a uma medida de deportação, que é a devolução dessa pessoa para o seu país de origem”, explica o professor Luís Felipe Barreto Araújo, especialista em Direito Constitucional e professor do curso de Direito da Universidade Tiradentes (Unit).
Outro ponto que vem gerando controvérsias e mais embates é a forma como acontecem estas deportações. Em geral, eles chegam aos países de origem em aviões militares, algemados pelas mãos e acorrentados pelos pés e pela cintura. A prática veio à tona em 24 de janeiro, quando um avião norte-americano com 158 deportados, incluindo 88 brasileiros, pousou em Manaus (AM) com todos algemados. A tripulação tentou seguir com eles desta maneira até Belo Horizonte (MG), mas foi desautorizada após a intervenção do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, que ordenou a retirada das algemas e alegou desrespeito às leis brasileiras. As autoridades dos EUA justificam que a medida é um “procedimento padrão de segurança”.
Luis Felipe considera que o episódio levantou uma questão muito válida sobre o tratamento dispensado a essas pessoas. “Embora essas pessoas estejam sendo deportadas por um motivo de irregularidade migratória, elas continuam sendo pessoas que merecem sim um tratamento digno. Eu acho que todos nós nos sentimos um pouco atingidos por aquelas cenas, e por vários motivos. Por mais que a pessoa esteja em situação irregular no país e que a deportação seja uma medida prevista, essa não é uma forma adequada a um tratamento digno que as pessoas efetivamente devem receber”, questiona ele, lembrando que já existe um acordo firmado entre Brasil e EUA, prevendo que os brasileiros deportados devem ser repatriados com condições dignas em seus voos, isto é, sem o uso de algemas. “Tanto é que assim que chegaram no Brasil, e que havia ali naquele momento já a autoridade brasileira, foi imediatamente providenciado um avião da Força Aérea, para que essas pessoas fossem dignamente levadas até o destino final”, completa o professor.
Não afeta relações
Apesar do clima ruim causado pelo episódio, a avaliação é que ele não será capaz de afetar as relações diplomáticas e comerciais entre os dois países. Essa percepção já começa pela postura adotada por Brasília, que até o momento preferiu não adotar medidas recíprocas contra Washington, limitando-se aos contatos diplomáticos e a uma nota pública menos inflamada. O próprio presidente Luís Inácio Lula da Silva já deixou claro que quer manter uma boa relação institucional com o homólogo Donald Trump, apesar de criticar os comportamentos e “bravatas” ditas por ele.
O professor da Unit destaca o longo histórico da relação entre Brasil e EUA, que completou 200 anos no ano passado e começou em 1824, quando o então presidente James Monroe reconheceu oficialmente a independência proclamada dois anos antes pelo imperador Dom Pedro I. “Certamente, os canais diplomáticos estão tratando dessa situação. Isso envolve muito também as visões e os alinhamentos de cada um dos governos, mas eu acredito que a relação diplomática entre Brasil e Estados Unidos é muito sólida. São duas nações muito grandes, muito próximas em vários sentidos. Eu acredito que as relações devem continuar sem maiores problemas e entendo que é do interesse mútuo dos dois países”, espera.
Leia mais:
Aluna de Medicina diz como o internato nos EUA lhe deu novas visões da saúde e da vida
Professora sergipana radicada nos EUA visita e faz palestras na Unit
Aluna de doutorado do PPED estuda o ensino bilíngue para brasileiros nos EUA