As recentes finais dos campeonatos estaduais de futebol e o início dos torneios de maior porte, como o Campeonato Brasileiro e a Taça Libertadores da América, trouxeram consigo um problema que vem amedrontando a sociedade e desafiando as autoridades: a violência entre torcedores dos times, protagonizada principalmente por grupos organizados em dias de jogos.
O Brasil voltou a se debruçar sobre o tema após o choque causado pelos episódios do último dia 1º de fevereiro, quando membros de torcidas organizadas do Sport e do Santa Cruz se enfrentaram nas ruas e avenidas do Recife (PE), armados com pedras, pedaços de pau, barras de ferro, bombas caseiras e muitos fogos de artifício. Pelo menos 12 pessoas ficaram feridas nos confrontos de rua, sendo três em estado grave. Na mesma semana, as cenas de guerra se repetiram em Fortaleza (CE), entre as torcidas do Ceará e do Fortaleza; e em Belo Horizonte (MG), com as organizadas do Cruzeiro e do Atlético. Em cada uma delas, mais de 100 envolvidos nas brigas foram detidos pela Polícia Militar.
O problema da violência no futebol não é novo. Os primeiros conflitos graves entre torcedores no Brasil, com a ocorrência de mortes dentro dos estádios, surgiram em São Paulo no início da década de 1990. As constantes brigas em arquibancadas e até mesmo com invasões de campo levaram o Ministério Público local a proibir o funcionamento destas torcidas e a entrada de faixas, bandeiras e instrumentos. Em um primeiro momento, as medidas funcionaram, mas as organizadas mudaram de estratégia e os confrontos passaram a acontecer fora dos estádios, nas ruas e até em bairros das periferias. Isso levou a Federação Paulista de Futebol (FPF) a adotar, desde 2016, a presença de uma única torcida nos jogos entre os grandes clubes da capital (Corinthians, Palmeiras e São Paulo), de Santos (Santos FC) e de Campinas (Guarani e Ponte Preta).
A causa por trás das brigas entre torcedores, sobretudo integrantes de uniformizadas, é bastante atribuída ao aumento da violência urbana, às desigualdades sociais e a sensação de impunidade provocada por falhas na atuação das autoridades policiais e judiciárias. “De um modo geral, os estudos em psicologia social explicam os fenômenos do futebol como extensão dos fenômenos sociais. São reflexos de problemas que existem na sociedade, somados a uma impunidade ainda maior que o ‘normal’. Dentro de campo ou nas arquibancadas, dentre os principais motivos está a facilidade de se cometer um crime e não ser penalizado por isso. No futebol, muitos crimes são relativizados”, avalia Cleberson Tavares Costa, professor do curso de Psicologia da Universidade Tiradentes (Unit) e especializado em psicologia esportiva.
Entre estes crimes que costumam ser relativizados, estão as ofensas e provocações de cunhos racistas e homofóbicos, que muitas destas torcidas costumam dirigir aos adversários durante os jogos. O exemplo mais recente aconteceu em Assunção (Paraguai), em 6 de março, quando torcedores do Cerro Porteño imitaram macacos para provocar os jogadores do time sub-20 do Palmeiras, que disputavam a Taça Libertadores Sub-20. Um dos jogadores, o atacante Luighi, chorou e fez um forte desabafo na entrevista após o jogo, cobrando punições mais enérgicas da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) contra clubes e torcedores que pratiquem atos de racismo. A entidade, no entanto, apenas aplicou uma multa de US$ 50 mil ao time paraguaio.
Outros episódios semelhantes envolvem torcedores de times do Paraguai, do Uruguai e da Argentina, que fazem imitações de macacos para ofender os rivais brasileiros. Em sua defesa, eles alegam que as provocações e xingamentos são uma forma de desestabilizar o time adversário. “Que essa prática desestabiliza, com certeza. Mas não é aceitável por causa disso. Acertar um soco em alguém, uma cusparada, ou qualquer outro ato físico também desestabiliza, mas é prontamente punido, e com rigor. Assim deve ser em casos de violência racial. A punição deve ser severa, tanto quanto em casos de violência física”, argumenta Cleberson.
O professor defende a atuação conjunta de políticas públicas e das instituições envolvidas na organização de eventos futebolísticos, para que tenham controle das circunstâncias. Entre as medidas sugeridas, estão a aplicação de leis, o suporte técnico aos profissionais de segurança, práticas que incentivem a ida de mulheres e crianças aos estádios, e outras atividades que reforcem o comportamento pacífico e excluam os envolvidos em crimes e práticas violentas ou ilegais.
Dentro de campo
Não são apenas os fatores extracampo que acabam influenciando o comportamento violento de torcedores. Muitas vezes, ele acaba potencializado pelas atitudes tomadas por jogadores e dirigentes dentro de campo. Um exemplo vem da última final do Campeonato Catarinense, onde um jogador da Chapecoense foi flagrado agredindo torcedores do Avaí que invadiram o campo do Estádio da Ressacada, em Florianópolis (SC), e comemoraram a conquista do título estadual. O clube de Chapecó admitiu o erro de seu jogador, mas acusou a Federação Catarinense de manipular a arbitragem para favorecer o time da capital.
Para o professor, estas reações de jogadores e dirigentes a questões da arbitragem ou do regulamento também estimulam episódios violentos. “Precisamos avaliar estas posturas como parte da violência no esporte, também. Acusações sem provas contra dirigentes e a arbitragem se configuram como práticas de violência e que estimulam a violência no esporte contra estes atores, o que pouca gente coloca em pauta. É importante que tenhamos uma reeducação que alcance a paz no esporte para todos os envolvidos”, alerta Cleberson.
As rivalidades entre os times funcionam como combustível para a intensidade das disputas entre os jogadores, que tendem em se exceder nas faltas e nas disputas de bola, que acabam evoluindo para discussões, provocações, xingamentos e agressões que resultam na expulsão de jogadores e treinadores em cada partida, com o cartão vermelho. “Em situações de confronto, acaba sendo provável o surgimento de comportamentos instintivos associados à agressividade. Por isso, a importância de regulamentos institucionais mais firmes no combate a violência no contexto, para que as normas sociais reduzam as chances desses comportamentos instintivos”, defende o professor.
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