Ele se propõe a levar a mensagem da paz através de sua arte. Uma mensagem que carrega em si as belezas e valores da nossa terra, e colocou o seu autor entre os mais importantes e talentosos nomes das artes plásticas de Sergipe. Ela chega aos mais diversos cantos através dos quadros de Adauto Machado, 75 anos, que está prestes a completar 60 anos de carreira artística. Ao longo deste tempo, seus trabalhos já foram expostos e premiados em diversas exposições do Brasil e do exterior, incluindo alguns que carregam tons de inovação e modernidade, sem deixar de lado a sensibilidade artística.
Nascido em Nossa Senhora das Dores, no dia 18 de junho de 1950, Adauto começou a demonstrar seu dom e seu gosto pela arte ainda na infância, fazendo desenhos e traços em paredes, papeis e calçadas. Para isso, ele usava qualquer pedaço de material que estivesse ao alcance de suas mãos, como giz, carvão, pedras, tijolos ou telhas. “Quando eu nasci, já comecei a criar alguma coisa. Eu acho que o fato de nascer já é uma grande arte, me colocou no mundo essa inspiração para criar as minhas primeiras obras. Tudo aquilo que servia para fazer algum traço era um objeto de inspiração para que eu desenhasse alguma coisa. De qualquer forma, eu sempre estava me expressando artisticamente”, lembra ele, em entrevista ao Portal da Unit.
Em 1964, o adolescente Adauto vem morar com a família em Aracaju e começa a tomar contato com a pintura profissional, conciliando os estudos com o seu trabalho na área de desenho publicitário. Entre os principais mentores, que lhe ensinaram os primeiros passos na arte e colaboraram com seu início na carreira, estão J.Inácio (1911-2007) e Florival Santos (1907-1999), já consagrados nacionalmente. Desse contato, vem a sua primeira exposição individual, na Galeria Acauã, em 1967, e seu primeiro prêmio, um ano antes, ao vencer o concurso que escolheu a primeira logomarca da antiga Rádio Atalaia.
Em 1969, foi para Salvador e se aproximou de outros artistas plásticos de renome, com os quais foi aperfeiçoando ainda mais as suas técnicas. Entre eles, estava o sergipano Jenner Augusto (1924-2003), que apresentou o trabalho de Adauto em algumas galerias de Salvador e do Rio de Janeiro. Dois anos depois, após um período no Rio, Machado foi morar em Paris, na França, onde fez cinco exposições individuais e participou de outras mostras coletivas de artistas brasileiros e latino-americanos. Também fez as ilustrações de um filme científico produzido pelo Centre Nationale de la Recherche Scientifique (CNRS), principal instituição pública de ciência e tecnologia do país.
Voltou a Aracaju em 1976, quando monta o seu ateliê de pintura. E se instalou em definitivo na capital sergipana em 1979, após morar por menos de dois anos em Winnipeg, no Canadá. As exposições pelo Brasil e pelo mundo seguiram, mesmo após o seu retorno a Aracaju, onde produziu centenas de quadros e paineis para galerias e edifícios. E promoveu centenas de exposições individuais realizadas em Aracaju e em cidades como Recife, Salvador, São Paulo, Ribeirão Preto (SP), Rio de Janeiro (onde manteve por quatro anos um ateliê), Blumenau (SC), Olinda (PE) e Rhode Island (Estados Unidos).
Para ele, as passagens pelo exterior foram uma grande experiência, fundamental para a evolução do seu trabalho. “Tanto é que eu estive olhando os meus trabalhos, os primeiros que eu pintei e desenhei, e tem muita coisa da fase francesa, da canadense, com paisagens locais. Mas isso tudo eu fazia naquela época, sem deixar de lado os meus temas principais, sergipanos e nordestinos. Eu sempre adorei as coisas daqui, e é por isso que eu moro aqui até hoje”, garante Adauto.
Paisagens de liberdade
Entre esses temas, estão paisagens e aspectos naturais e humanos da capital e do interior sergipano, como feiras, lavadeiras, lavradores, carros de boi, casarios, barcos e tó-tó-tós (embarcações artesanais que fazem a travessia do Rio Sergipe). Os cavalos também se fazem presentes em muitos quadros de Adauto Machado. Um deles, “Cavalos”, de 1989, faz parte do acervo artístico da Unit e está exposto na Pinacoteca do Memorial de Sergipe Professor Jouberto Uchôa.
“Eu não largo os cavalos, desde a minha infância. Não sou criador de cavalos, mas gosto de ver o bicho solto no pasto. O cavalo merece a liberdade, porque ele já transmite um sentido de liberdade para o ser humano, e eu acho isso muito bonito. O quadro, na realidade, é como outros que eu fiz naquela época”, explica o autor, destacando as nuances em degradê como um diferencial deste trabalho em relação às outras obras.
Outro detalhe marcante é a presença de igrejas nas reproduções de paisagens de cidades e povoados sergipanos. Ele é tema de um projeto mais recente, inspirado em imagens aéreas captadas através de um drone pelo jornalista Marcílio Nocrato, da TV Sergipe, que também é piloto remoto de drones. Ao todo, foram 75 pinturas a tela em miniatura. Adauto conta que, ao assistir às imagens, teve a ideia de retomar o que fez há 15 anos, quando fez uma exposição sobre as feiras livres dos municípios.
“Essas feiras ficavam sempre em volta das igrejas e eu achava interessante aquilo, porque tudo que eu ia fazer tinha sempre uma igreja como fundo. Foi uma coisa bem bacana. Essa ideia ficou perdida no tempo e, algum tempo depois, eu comecei a ver as imagens onde as igrejas apareciam em um panorama aéreo. Eu achava muito bonito aquilo, de forma que eu fiz contato com Marcílio para a gente fazer esse projeto e colocar em execução. Ele adorou, e fizemos uma parceria, que foi uma maravilha”, relembra o artista plástico.
Arte informática
Um pouco antes dos drones, Machado incorporou um elemento moderno às suas técnicas: o Corel Draw, um programa de computador que produz desenhos e artes gráficas que chegou ao Brasil em meados da década de 1990. O interesse surgiu após a compra de um computador para as filhas, à época adolescentes, e quando um amigo lhe apresentou o programa. A resistência inicial foi vencida pela curiosidade.
“Descobri que lá dentro existiam milhões de cores, ferramentas para desenhar coisas que eu não imaginava. Eu pensava que o computador era só para digitar números, caracteres.. que fosse mais uma ferramenta com outras utilidades, não o que seria interessante para mim. Mas já que tinha aquilo ali dentro, eu comecei a mexer e eu fui tomando gosto e a ponto de ir para São Paulo, fazer um curso de Corel Draw. Imagina”, diverte-se Adauto, que passou a dar aulas e produzir desenhos com o auxílio do programa. Estes trabalhos, que chamaram a atenção pela qualidade artística, já renderam a publicação de um livro e dois prêmios de um concurso internacional promovido pela Corel, empresa canadense que desenvolveu o programa. A entrega do primeiro, em 1999, numa cerimônia em Ottawa, é lembrada até hoje como um dos momentos mais marcantes da sua vida.
Ser artista
Todo o retrospecto dos 60 anos da carreira de Adauto Machado deverá ser contado em breve, numa exposição que está sendo preparada em conjunto com a arquiteta e curadora Karla Gois. Ela está na fase de pré-seleção das principais obras, mas está prevista para ser realizada no ano que vem em Aracaju e em outras cidades.
Será uma celebração do talento e das mensagens de paz que o sergipano espalhou pelo mundo. E que ele acredita ser uma capacidade presente em todos os que se dedicam a retratar a vida pela arte. “Ser artista é como um mensageiro da paz, de coisas que dão mais vida aos seres. Imagine um mundo sem arte, sem artista, que seria desse mundo, né? Infelizmente, alguns dos nossos colegas não tiveram as oportunidades que eu tive, mas a capacidade de cada um é algo que não se interroga. Todos eles são talentosos, todos nós temos uma mensagem para dar: a mensagem artística da paz”, conclui Adauto.
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