Um dos grandes desafios enfrentados atualmente pela mãe brasileira é ter que assumir sozinha a responsabilidade de chefiar e sustentar a própria família. Segundo as últimas pesquisas feitas sobre o assunto pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), aproximadamente 34,4 milhões de domicílios são comandados por mulheres que precisam dividir o trabalho externo com a criação dos filhos, as tarefas domésticas e a administração das contas.
Na maioria dos casos, elas tocam essa rotina sozinhas, sem apoio da família e muito menos de parceiros ou esposos, que quando não morrem, nem adoecem e nem são presos, simplesmente abandonam o lar, a causa de pelo menos 90% dos casos das chamadas “mães-solo”, como estima a professora Tatiana da Hora, titular do curso de Direito e coordenadora do Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ) do Centro Universitário Tiradentes (Unit Pernambuco).
“A gente tem um volume muito grande de crianças que nem sequer foram reconhecidas pelos pais e de crianças que, embora reconhecidas, as mães foram deixadas pelos pais das crianças. O abandono é completo, não é exclusivamente material, seja pelo não reconhecimento do filho ou pelo abandono puro e simples”, pontua ela, que rejeita o termo “mãe solteira”, muito usado para definir as mães que criam os filhos sem a figura paterna. “Porque ser mãe não é estado civil, na verdade. Muitas vezes o termo usado num sentido preconceituoso contra a mulher”, ressalta ela
A consequência diária de assumir a chefia da família cria três dificuldades principais: o acúmulo de funções, as poucas condições financeiras e a deterioração da saúde mental e física. “A mãe-solo acumula a função de provedora da casa. E a mulher, sozinha, já detém parte das obrigações domésticas, o que é um absurdo, mas é a realidade. A obrigação do cuidado dos filhos e da casa se imputa muito para a mulher. Mesmo as que não são solo, acabam ficando com esta obrigação, sendo o sustento financeiro da família. E quando você tem uma mãe que trabalha fora, que é responsável pelo sustento e, na verdade, por tudo dos filhos, sobretudo quando crianças, é uma sobrecarga sem opção”, expõe Tatiana, ao rejeitar também o termo “mãe guerreira”, que de acordo com ela, “foi trazido pela sociedade para romantizar as mães sobrecarregadas que não desistem”.
Boa parte dessas dificuldades acabam desaguando em ações na Justiça – e, por consequência, em atendimentos nos Núcleos de Prática Jurídica (NPJ) da Unit. A coordenadora relata que muitas “mães desesperadas” recorrem ao Núcleo pela falta de reconhecimento dos filhos pelos parceiros ou genitores. Principalmente quando eles não querem assumir a paternidade ou quando há desacordo em relação ao pagamento da pensão alimentícia. “Muitas vezes, são filhos reconhecidos que o genitor simplesmente não quer pagar. E às vezes só paga judicialmente, mas muitas vezes é pensão que não vai suprir as necessidades daquela criança ou adolescente e não vai diminuir em nada a sobrecarga. Porque muitos vão dar uma mísera contribuição formal, mas o abandono no aspecto afetivo e educacional permanece”, aponta a professora.
Esta realidade mostra ainda que as “mães-solo” não encontram apoio e nem acolhimento da sociedade, que retribui esse esforço com preconceitos e prejulgamentos. De acordo com Tatiana, esse preconceito aparece em forma de piadas e comentários maldosos, como “dar o golpe da barriga”, “querer viver de pensão”, ou “gastar a comida dos filhos com as unhas”. “Eu tenho muita raiva disso. Como se os alimentos da filha fossem obrigação e como se a mãe não pudesse sair, não pudesse gastar, até porque o dinheiro dos alimentos não dá pra sustentar uma criança”, desabafa, pontuando que muitos mitos ainda precisam ser quebrados. “Uma criança não vive só de comida, ela usa água, luz, ela usa internet, ela se transporta. Então, a gente fala de alimentos, mas a prestação alimentícia, ela não é só comida, porque a criança veste, calça”, elenca.
Atendimentos às mães
O atendimento do NPJ/Unit às mães que enfrentam problemas com o reconhecimento de paternidade é realizado em parceria com a Defensoria Pública Estadual (DPPE) e o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). A partir de um agendamento, são marcadas reuniões de conciliação para que as partes fechem um acordo. Caso não haja esse acordo, a questão é transformada em ação judicial, na qual os participantes do projeto prestam apoio às mães, através de exames de DNA, levantamento de dados alimentares e liminares de alimentos. “A gente tem conseguido ajudar muitas mães. Conseguimos várias liminares na pandemia, várias de alimentos, inclusive de gente que tinha sido demitida e que queria sonegar as verbas rescisórias dos filhos”, disse Tatiana.
Em Recife, esses atendimentos podem ser feitos através do whatsapp (81) 99320-9506. Os mesmos serviços também são prestados pelos NPJs de Maceió (AL) e de Sergipe (Aracaju, Estância, Itabaiana e Propriá), igualmente em parceria com as Defensorias Públicas e Tribunais de Justiça dos respectivos estados.
Asscom | Grupo Tiradentes