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Alimentação saudável desafia bolsos na América Latina e Caribe

Regiões enfrentam preços elevados por dietas nutritivas, impactando milhões e expondo desigualdades estruturais

às 20h46
Carla Souza- Nutricionista Clinica e esportiva e professora da Universidade Tiradentes
Carla Souza- Nutricionista Clinica e esportiva e professora da Universidade Tiradentes
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Manter uma alimentação saudável é, para muitos, uma busca constante por bem-estar e qualidade de vida. No entanto, o que deveria ser um direito básico torna-se um luxo em diversas partes do mundo, especialmente na América Latina e no Caribe. Longe de ser apenas uma questão de escolha individual, a dificuldade em acessar alimentos nutritivos na região revela uma complexa teia de fatores econômicos e sociais, tornando o consumo de ultraprocessados uma alternativa, muitas vezes, mais viável e barata para grande parte da população.

Um estudo do Panorama Regional de Segurança Alimentar e Nutrição para a América Latina e o Caribe de 2024, divulgado por órgãos internacionais como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS), acende um alerta sobre essa realidade. Os dados são contundentes: o custo médio de uma dieta saudável atinge US$ 4,56 por pessoa por dia, superando a média global de US$ 3,96. Esse cenário significa que cerca de 182,9 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe não têm condições de custear uma alimentação adequada. 

De acordo com a nutricionista clínica e esportiva Carla Souza, professora da Universidade Tiradentes (Unit), uma alimentação saudável deve ser baseada em alimentos in natura e minimamente processados, respeitando a cultura alimentar, promovendo variedade e equilíbrio, e sendo adequada às necessidades individuais. “Frutas, legumes, cereais integrais, leguminosas e oleaginosas formam a base de uma alimentação de qualidade. Mas, infelizmente, o acesso a esses alimentos está longe de ser uma realidade para todos”, afirma a especialista.

O fresco e o ultraprocessado

O preço dos alimentos ultraprocessados costuma ser menor por diversos fatores. Segundo Carla, eles são produzidos em larga escala com ingredientes de baixo custo, como farinhas refinadas, óleos vegetais e aditivos químicos. Além disso, têm maior prazo de validade e logística simplificada, o que reduz perdas e torna sua distribuição mais eficiente. “Esses produtos recebem grande investimento da indústria alimentícia, tanto em produção quanto em publicidade. Isso os torna amplamente disponíveis e atraentes, sobretudo para quem tem pouco dinheiro e tempo para preparar refeições”, pontua a nutricionista

Em contrapartida, os alimentos frescos enfrentam uma cadeia de produção mais frágil e menos incentivada. “Há uma dificuldade enorme no escoamento da produção, seja pela logística precária, transporte ineficiente ou falta de estrutura para armazenamento. A situação se agrava ainda mais com a alta carga tributária sobre alimentos básicos, que pesa no bolso do consumidor. E mesmo quando conseguimos produzir, ainda perdemos muito: as perdas pós-colheita, especialmente de frutas e hortaliças, podem chegar a 30%. Sem falar na intermediação entre o produtor e o consumidor final, que só encarece ainda mais o produto e reduz o lucro de quem realmente planta”, elenca.

Os alimentos ultraprocessados têm produção concentrada em grandes indústrias com forte poder econômico e político, enquanto produtos in natura dependem da agricultura familiar e de condições climáticas, com menor apoio logístico e financeiro. Além disso, subsídios governamentais frequentemente favorecem commodities agrícolas (como soja e milho), que são amplamente utilizados na indústria de ultraprocessados. As mudanças climáticas também se somam a esse cenário, com a instabilidade de temperaturas afetando a produção de alimentos frescos, gerando escassez e aumento de preços.

Impactos na saúde pública 

O consumo excessivo de alimentos ultraprocessados está fortemente associado ao avanço de doenças crônicas não transmissíveis. “Obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão e até câncer são alguns dos problemas de saúde ligados a uma alimentação pobre em nutrientes. Dietas desequilibradas podem gerar deficiências de vitaminas e minerais, impactando o desenvolvimento infantil, o sistema imunológico e o bem-estar geral da população. Os desequilíbrios no microbioma intestinal, por exemplo, estão ligados ao aumento de inflamações crônicas e à piora da qualidade de vida”, alerta Carla Souza.

A renda familiar também tem influência direta nas decisões do que vai para a mesa. Famílias de baixa renda, segundo Carla, geralmente vivem em regiões com menor acesso a feiras e mercados com alimentos frescos, estão mais expostas à propaganda de alimentos industrializados e muitas vezes não têm tempo, estrutura ou conhecimento para preparar refeições mais saudáveis. “O preparo de uma comida de verdade exige planejamento, utensílios, energia e tempo. Para quem precisa trabalhar o dia inteiro e conta os centavos, o ultraprocessado é uma saída imediata, e perigosa”, destaca.

Caminhos possíveis

Apesar do cenário desafiador, existem alternativas. Políticas públicas bem estruturadas podem ser decisivas para tornar a alimentação saudável mais acessível à população. “Medidas como subsídios para a produção e comercialização de alimentos in natura, incentivo à agricultura familiar e à agroecologia, além da taxação de alimentos ultraprocessados e o estímulo ao consumo de opções mais saudáveis, podem fazer uma grande diferença”, afirma. 

A nutricionista também destaca a importância de ampliar o acesso a alimentos frescos em escolas e instituições públicas, por meio do fortalecimento de programas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). O estímulo a hábitos alimentares mais saudáveis pode começar nas comunidades e nas escolas, com ações simples e eficazes.

 “Implantar hortas escolares e comunitárias, incluir a educação alimentar de forma prática e contínua no currículo, promover oficinas culinárias, feiras agroecológicas, rodas de conversa com nutricionistas e campanhas locais sobre alimentação e saúde são caminhos possíveis e acessíveis”, pontua. Ela destaca, ainda, a importância de garantir uma merenda escolar saudável, baseada em alimentos frescos e oriundos da agricultura familiar.

Para a nutricionista, essas ações ajudam a criar um ambiente promotor da saúde e favorecem mudanças sustentáveis nos hábitos da população. “Vale lembrar que o papel do nutricionista é essencial em todas essas atividades, desde o planejamento até a execução, atuando como um agente de transformação social por meio da alimentação”, conclui.

Com informações do Jornal da USP.

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