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Avanço da pejotização ameaça direitos e esvazia cofres públicos

Crescimento de contratações via pessoa jurídica preocupa especialistas e governo, com impacto negativo sobre a arrecadação e a seguridade social

às 20h58
Josenito Oliveira- Economista e professor da Unit
Josenito Oliveira- Economista e professor da Unit
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Nos últimos anos, tem se tornado cada vez mais comum ver profissionais trocando o regime CLT por um CNPJ. Por fora, o modelo pode parecer vantajoso: mais dinheiro no bolso e menos burocracia. Mas, por trás da suposta autonomia, há uma tendência preocupante. A pejotização, prática de contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas em vez de empregados formais, cresce em ritmo acelerado no Brasil. Segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2015 a 2023 o número de trabalhadores por conta própria com CNPJ cresceu 178%, atingindo 5,5 milhões de pessoas. Ao mesmo tempo, as vagas formais criadas diminuem, e a proteção trabalhista se enfraquece.

O que é a pejotização e por que ela avança?

De acordo com o economista e professor da Universidade Tiradentes (Unit), Josenito Oliveira, a pejotização ocorre quando uma empresa exige que o trabalhador abra uma empresa (geralmente como MEI ou LTDA) para prestar serviços, ainda que a relação entre as partes tenha todas as características de um vínculo empregatício. “É uma forma de as empresas reduzirem custos, deixando de pagar encargos trabalhistas e previdenciários previstos na CLT. Para o trabalhador, pode parecer vantajoso no curto prazo, mas ele perde direitos como férias, 13º salário, FGTS e estabilidade”, explica.

Impactos na arrecadação e nos serviços públicos

A escolha por contratar via pessoa jurídica também causa desequilíbrio nas contas públicas. Segundo o Ministério da Fazenda, essa prática tem um “impacto nefasto” sobre a arrecadação, especialmente na previdência social. Para Josenito, o efeito é direto. “Como a contribuição sobre a folha de pagamento é reduzida ou inexistente nesses contratos, o financiamento da seguridade social perde força. A consequência é menos recursos para saúde, assistência social e aposentadorias”, comenta.

A diferença entre os regimes é expressiva. Um trabalhador CLT que recebe R$ 6 mil líquidos pode custar à empresa mais de R$ 8 mil com encargos. Já um PJ que fatura o mesmo valor paga cerca de R$ 600 a R$ 900 de tributos, dependendo do regime, ficando com maior renda líquida, mas sem garantias de proteção. “Isso reduz a base de cálculo da arrecadação federal, enquanto fragiliza o sistema público de seguridade”, reforça o professor.

Setores mais afetados pela prática

A pejotização não é homogênea e atinge com mais força determinados setores. “Os setores que mais recorrem a esse tipo de vínculo são aqueles que demandam mão de obra qualificada, como Tecnologia da Informação, Comunicação, Cultura, Saúde e Consultoria. Nesses campos, o custo trabalhista tende a ser mais alto, e as empresas buscam alternativas para manter a competitividade”, observa Josenito.

Consequências econômicas e sociais

Além de comprometer a arrecadação e os direitos trabalhistas, a pejotização acarreta uma série de distorções no mercado. Entre os efeitos, estão a precarização das relações de trabalho, rebaixamento salarial, desigualdade entre trabalhadores, esvaziamento de sindicatos e desvalorização profissional. “A longo prazo, isso fragiliza o próprio tecido social, criando um cenário de insegurança e instabilidade. O trabalhador PJ não tem proteção contra demissão, não contribui com a mesma intensidade para a previdência e muitas vezes não se prepara para o futuro”, alerta o economista.

Existe solução?

Para o economista, combater os efeitos nocivos da pejotização não significa sufocar o empreendedorismo ou impedir novas formas de trabalho, mas sim corrigir distorções que prejudicam tanto o trabalhador quanto o país. “É possível conciliar flexibilidade com proteção. Para isso, seria necessário revisar a carga tributária sobre a folha de pagamento, melhorar a fiscalização para coibir fraudes, e reformar o Simples Nacional e o MEI, restringindo seu uso a atividades realmente autônomas e plurais”, propõe.

E a reforma tributária?

A reforma tributária em andamento, embora não trate diretamente da pejotização, pode gerar efeitos colaterais sobre a prática. “O impacto vai depender de como as regras forem implementadas e da adaptação dos agentes econômicos. Pode haver maior equilíbrio entre regimes, mas isso ainda está em aberto”, analisa Josenito.

Enquanto isso, cresce o número de trabalhadores que trocam segurança por flexibilidade, e o Estado lida com os efeitos de um modelo que mina sua capacidade de arrecadação. “A pejotização, embora disfarçada de modernidade, pode estar pavimentando um caminho de informalidade travestida de inovação, e quem paga a conta é toda a sociedade”, observa.

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