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Burnout: quando o trabalho suga mais que energia, suga saúde, ânimo e sentido da vida

Brasil lidera ranking global de ansiedade e vê aumento nos casos de esgotamento profissional; nova classificação da CID promete mais clareza no diagnóstico e tratamento do burnout

às 20h43
Fellipe Campos- médico Psiquiatra e professor da Universidade Tiradentes
Fellipe Campos- médico Psiquiatra e professor da Universidade Tiradentes
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Exaustão que não passa mesmo depois de dormir. Distanciamento emocional no ambiente de trabalho. Sensação persistente de não estar realizando nada, por mais que se entregue totalmente às tarefas. Esses sinais, cada vez mais comuns entre os brasileiros, não são apenas fruto de estresse pontual: podem ser sintomas de um transtorno sério.

De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking global de pessoas ansiosas, com cerca de 9,3% da população afetada. Além disso, o país é o segundo com maior número de pessoas depressivas. Parte significativa dessa realidade tem relação direta com o trabalho, o que acendeu o alerta para uma condição específica: a síndrome de burnout.

Com o crescimento de diagnósticos e a atenção global voltada para a saúde mental do trabalhador, a nova classificação da Classificação Internacional de Doenças (CID-11) traz um olhar mais preciso sobre o burnout, reconhecendo-o oficialmente como um transtorno ocupacional. Embora a nova versão da CID tenha sido publicada em 2022, o Brasil só deve implementá-la oficialmente a partir de janeiro de 2027. Ainda assim, a mudança já vem influenciando práticas e percepções no cuidado com a saúde mental dos profissionais.

Burnout x ansiedade e depressão: o que diferencia?

Segundo o médico psiquiatra e professor da Universidade Tiradentes (Unit), Fellipe Campos, entender a diferença entre burnout, ansiedade e depressão é essencial para garantir um diagnóstico adequado e um tratamento eficaz. “Ao contrário do burnout, essas outras síndromes a depressiva e a ansiosa podem acontecer no ambiente de trabalho, mas tendem a se expandir para outros contextos da vida do indivíduo. A ansiedade, por exemplo, não acontece apenas no horário comercial. O pensamento depressivo e o risco de suicídio não aparecem só quando a pessoa está no trabalho, nem exclusivamente em casa. Esses transtornos tendem a contaminar outras áreas da vida do paciente”, elenca.

Já no burnout, o esgotamento está diretamente relacionado ao ambiente profissional. A piora acontece com estímulos que remetem ao trabalho: bater o ponto, abrir a caixa de e-mails, ouvir sons típicos do escritório. “Às vezes, a pessoa nem aproveita o final de semana porque já está preocupada com a volta ao trabalho, ou fica ansiosa com feriados por saber que o acúmulo de tarefas a espera. Há, ainda, uma sensação de alívio estranha, como se um peso fosse retirado, quando a pessoa volta para casa, mas não é aquele cansaço satisfatório de quem teve um bom dia de trabalho”, complementa o psiquiatra.

Nova CID: mais clareza para diagnosticar e tratar

Com a CID-11, a síndrome de burnout ganha uma classificação própria, o que contribui para tornar o diagnóstico mais claro. Antes, a condição era muitas vezes confundida ou englobada por outros transtornos mentais. Para Fellipe, essa mudança representa um avanço importante. “Antes, um dos maiores desafios para o diagnóstico do burnout era justamente o reconhecimento de que ele existia. Viemos de gerações em que a dedicação total ao trabalho era vista como ideal. Na medicina, por exemplo, falava-se que a profissão era um ‘celibato’, com total entrega. E sim, isso fazia algum sentido considerando a carga de estudos e o cuidado humano envolvido, mas também mascarava os riscos do esgotamento. Inclusive, a expectativa de vida dos médicos costuma ser menor do que a da população geral, o que ilustra esse desgaste”, enfatiza.

Na visão do especialista, combater o burnout exige um esforço multidisciplinar, envolvendo não apenas a psiquiatria, mas também a medicina do trabalho, a psicologia e, quando possível, a própria empresa. “Isso pode significar desde ajustes simples na rotina até, em casos mais graves, realocação de função ou desligamento com suporte, para que o trabalhador reencontre um ambiente mais saudável”, orienta Fellipe.

Além do cuidado clínico, é preciso atenção por parte das empresas. “O setor de Recursos Humanos pode e deve atuar como interlocutor entre os funcionários e a gestão. O ideal seria que todas as empresas tivessem suporte psicológico ou psiquiátrico, mesmo que por meio de parcerias externas”, sugere Fellipe. Ele reconhece que essa ainda é uma realidade distante, principalmente para pequenas empresas, mas reforça a importância de investir em saúde mental como forma de prevenir afastamentos e garantir bem-estar.

Pequenas iniciativas, grandes impactos

Fellipe destaca ações simples que já vêm fazendo a diferença, como o programa “Cuidando do Cuidador”, desenvolvido na rede de atenção psicossocial de Aracaju. A iniciativa oferece momentos de pausa e cuidado para profissionais da saúde, com práticas integrativas, relaxamento e rodas de conversa. “Embora sejam ações pontuais e que não resolvam todas as dificuldades cotidianas, elas ajudam a aliviar, mesmo que temporariamente, a carga de trabalho”, ressalta.

Hoje, as empresas estão mais conscientes de que saúde do trabalhador não é apenas a saúde física como exposição a produtos químicos, cortes, contusões, traumas, mas também a saúde mental. “Outro ponto importante sobre o burnout é que, no dia a dia, muitas pessoas o associam ao cansaço generalizado, mas ele é, de fato, um transtorno relacionado exclusivamente ao trabalho. Não estamos falando do esgotamento por cuidar de um parente doente, ou por problemas amorosos. Burnout é uma síndrome ocupacional”, explica o psiquiatra.

Ainda é necessário desconstruir a ideia de que trabalhar até o limite é sinônimo de sucesso. “Trabalhar é essencial, claro. Mas deve ser feito com equilíbrio, cuidado e saúde. Não adianta produzir muito se isso custa a sua qualidade de vida. É importante observar como está seu comportamento no ambiente de trabalho e não ignorar sintomas como exaustão, distanciamento mental e emocional e a sensação de falta de realização. Esses sinais indicam que o burnout pode estar se instalando, e quanto antes for feita uma avaliação, melhor será o prognóstico. O ideal é não empurrar com a barriga”, orienta o médico.

Visibilidade que transforma

O aumento das discussões sobre burnout tem sido, segundo Fellipe, um ponto de virada. “A popularização do termo ajudou a tornar o problema mais visível. Isso tem feito com que empresas e lideranças fiquem mais atentas e que os profissionais comecem a buscar mais qualidade de vida no trabalho. A recomendação principal é avaliar a exposição ao ambiente de trabalho: seja em carga horária, seja em intensidade. É fundamental uma boa comunicação entre chefias e trabalhadores, para que se definam claramente as atribuições de cada um, evitando tanto a sobrecarga quanto a subutilização”, recomenda Fellipe.

Para ele, esse movimento também tem impulsionado projetos de lei e políticas públicas voltadas à saúde mental dos trabalhadores, o que representa um avanço coletivo. “Hoje entendemos que saúde do trabalhador não é só física como cortes ou traumas, mas também emocional. E isso precisa estar no centro das discussões. Afinal, todos nós precisamos trabalhar para viver, mas isso deve ser feito com equilíbrio, cuidado e saúde”, finaliza.

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