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Como o uso irregular do zolpidem forçou mudança nas regras de sua venda

Uma resolução da Anvisa ordena a exigência de receita azul para o medicamento, que é indicado para tratar a insônia, mas pode causar dependência e outros efeitos colaterais

às 17h52
A alta expressiva da venda e do consumo dos medicamentos à base de zolpidem vem provocando uma alta nos casos de doenças e transtornos de dependência (HASPhotos/Adobe Stock)
A alta expressiva da venda e do consumo dos medicamentos à base de zolpidem vem provocando uma alta nos casos de doenças e transtornos de dependência (HASPhotos/Adobe Stock)
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O uso abusivo do zolpidem, medicamento utilizado para o tratamento da insônia, alcançou um status de “epidemia” no Brasil, motivando alertas dos médicos e até uma decisão recente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que alterou os tipos de receita e as regras para prescrição e venda em farmácias. Elas estarão obrigadas a exigir receita azul (Notificação de Receita B) para a venda de qualquer remédio que contenha o zolpidem, seguindo a mesma exigência dos remédios psicotrópicos e controlados. Além disso, o profissional de saúde que prescrever esse medicamento terá que ser cadastrado previamente pela Vigilância Sanitária local. 

A regra da Resolução, que entra em vigor no próximo dia 1º de agosto, vale independentemente da concentração da substância. De acordo com a agência, essa mudança foi adotada a partir do aumento dos relatos de uso irregular e abusivo relacionados ao zolpidem. Pesou na decisão uma análise que apontou o crescimento no consumo dessa substância e a constatação do aumento nas ocorrências de eventos adversos relacionados ao seu uso. Além disso, o órgão considerou que não há dados científicos que demonstrem que concentrações de até 10 mg do medicamento mereçam um critério regulatório diferenciado. 

A farmacêutica e microbiologista Ingrid Borges Siqueira, professora dos cursos de Farmácia, Nutrição e Gastronomia da Universidade Tiradentes (Unit), explica que o zolpidem é um agente hipnótico indicado para o tratamento da insônia de curta duração, bem como para pacientes com dificuldades em adormecer e/ou manter o sono. “Ele encurta o tempo de indução ao sono, reduz o número de despertares noturnos e aumenta a duração e qualidade do sono”, resume ela, alertando que o uso dessa substância “deve ser o menor possível e, assim como para todos os hipnóticos, não deve ultrapassar quatro semanas”.

Segundo a professora, os remédios com zolpidem passaram a ser mais procurados pelo público após o vencimento da patente do medicamento, em 2007. “Com isso, abriu-se a possibilidade de outros laboratórios começarem a fabricar o produto como um genérico, e assim aumentaram as propagandas de destaque dos benefícios do medicamento. A procura pelo público é impulsionada por sua eficácia, rápido início de ação, e a crescente prevalência de problemas de sono na população”, contextualiza Ingrid.

O principal alerta dos médicos e farmacêuticos é o alto risco de dependência do zolpidem, pois, embora seja considerado eficaz para o tratamento de curto prazo da insônia, ele provoca uma necessidade do uso da medicação para o paciente, por meio de uma síndrome de abstinência. Outras contraindicações associadas à substância são a hipersensibilidade ao princípio ativo ou a qualquer um dos componentes da fórmula; insuficiência hepática severa e agravamento dos casos de insuficiência respiratória severa ou aguda. 

De acordo com a professora, o uso inadequado ou irracional do zolpidem pode levar a uma overdose, e causar depressão respiratória grave, principalmente se ele for combinado com álcool, drogas ou outros depressores do sistema nervoso central. “Há ainda relatos de pessoas que realizaram atividades complexas como dirigir, comer, ou fazer chamadas telefônicas enquanto não estavam plenamente conscientes após tomar zolpidem, e ainda a falta de lembrança. Algumas condições podem ser agravadas, como a relação de problemas de saúde mental, o uso inadequado de zolpidem pode exacerbar problemas de saúde mental, como depressão e tendências suicidas, especialmente em indivíduos predispostos”, acrescenta Ingrid.

As “drogas Z”

A explosão do uso irregular do zolpidem está inserida em um contexto maior: o aumento da procura pelas chamadas “drogas Z”, que também são indicadas como ansiolíticos e tratamentos contra insônia, ansiedade e outros transtornos. Estas substâncias, como a zaleplona, e o eszopiclone, foram desenvolvidas com a promessa de serem mais seguras e menos passíveis de dependência. No entanto, elas também passam por uma situação de abuso e descontrole em sua prescrição e uso, conforme aponta a própria Anvisa em seus relatórios

Ingrid Siqueira explica que essa relação de abuso pode estar associada a fatores como o aumento do estresse relacionado a questões econômicas, desemprego, insegurança e mudanças sociais, que podem levar ao crescimento dos problemas de sono. “Muitos médicos prescrevem drogas Z como uma solução rápida para insônia, mas sem explorar completamente opções não farmacológicas ou considerar os riscos de dependência. Além disso, é válido ressaltar que, a sociedade contemporânea frequentemente prefere soluções rápidas e eficazes para problemas de saúde, levando ao aumento do uso de medicamentos em vez de intervenções comportamentais ou terapias de longo prazo. E potencializando a busca e uso irracional destes medicamentos”, aponta a professora.

Este cenário epidêmico foi justamente um dos motivos da resolução da Anvisa. Para a professora Ingrid, elas são um passo na direção certa, mas ainda é preciso adotar uma abordagem holística e multifacetada para frear o uso descontrolado das “drogas Z”. “Isso inclui principalmente a educação em saúde, acesso a alternativas de tratamento, monitoramento e fiscalização eficazes, e uma avaliação contínua das políticas implementadas. Vale ressaltar que a interação entre médicos e farmacêuticos desempenha um papel crucial na promoção da saúde dos pacientes e na garantia do uso seguro e eficaz dos medicamentos. Em geral, a colaboração entre governos, profissionais de saúde, comunidades e organizações não governamentais é essencial para abordar este problema de maneira eficaz e sustentável”, considera ela.

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