“Última flor do lácio, inculta e bela/ És, a um tempo, esplendor e sepultura/ Ouro nativo, que na ganga impura/ A bruta mina entre os cascalhos vela”. Os versos do poeta Olavo Bilac (1865-1918), um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (ABL), são lembrados como a mais completa tradução do português, o quinto idioma mais falado do mundo e o terceiro do Ocidente. Seu dia é comemorado neste 5 de maio, data criada em 2009 pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), de maneira a promovê-lo como parte importante da cultura e da identidade dos nove países lusófonos (Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Timor-Leste e São Tomé e Príncipe).
A identificação de um povo com o seu idioma também fortalece a sua cultura, como é destacado pela professora Ana Cláudia de Almeida Mota, doutora em Língua Portuguesa e titular do curso de Pedagogia EaD da Universidade Tiradentes (Unit EaD). “As manifestações culturais e artísticas são esse elo de herança e de memória que se permite estabelecer por conta da sua língua e da sua identidade. Quantos de nós, brasileiros ou de países lusófonos, ao saírem dos seus respectivos países e irem para outros, escutam alguém que fala o português, se identificam e já perguntam de onde é aquela pessoa. Língua e identidade fazem com que esse elo exista entre as gerações e em relação a comunidade que pertence”, exemplifica.
A professora destaca também a influência das línguas indígenas e africanas no português, com a incorporação de muitas palavras ao nosso vocabulário, conferindo características peculiares ao chamado português brasileiro. É o que se vê em palavras como carioca, catapora, Guanabara, capim, caçula, moleque, quitanda, fubá, dendê, entre muitas outras. “Temos uma riqueza muito grande de vocabulário na nossa língua portuguesa, proveniente do idioma que os índios já falavam quando os portugueses chegaram aqui no Brasil. Com a vinda dos escravos, dos negros africanos, nós também hoje sofremos muita influência vocabular. Isso é um grande diferencial, por exemplo, em relação à língua que se fala no Brasil, se nós compararmos com o português de Portugal”, destaca Ana Cláudia, em referência aos povos que habitaram o país.
Essa mesma influência também é exercida com palavras e expressões de outros idiomas mais falados no mundo, como francês, o inglês, o árabe e o japonês. E também de reduções de frases e palavras, comuns atualmente na internet como ksa (casa), vc (você) e blz (beleza). A professora conta que, em seu doutorado na Universidade de São Paulo (USP), ela pesquisou textos manuscritos no Século XVI, que já traziam essas abreviações. “A gente já via, na época, falantes com formação clássica que já se valiam de reduzirem palavras. O argumento, na ocasião, era pra que tivesse mais agilidade na escrita e economizar papel também, porque o papel e a tinta eram caros”, cita Cláudia, ressaltando que os idiomas são dinâmicos e mudam conforme os tempos.
Os estrangeirismos que vieram da internet e acabaram aportuguesados, como os verbos deletar, tuitar e escanear, também são influências incorporadas ao português do nosso cotidiano. Mas a professora da Unit EaD recomenda parcimônia e respeito às regras gramaticais ao utilizar estas expressões do ‘internetês’, principalmente ao falar em público e ao escrever nas redes sociais. “Sobretudo em aplicativos de diálogo, a gente tende a ter talvez menos cuidado com a escrita. Só que a escrita é o nosso cartão de visita e é um dos principais que a gente tem para vender nossa imagem. Então, não há problema algum em se vivenciar essa influência da internet dos estrangeirismos. Desde que a gente use com parcimônia e respeitando, obviamente, as regras da língua”, orienta Ana.
Em bom português
Quanto ao “falar correto” do português, ou seja, um padrão culto de oralidade, a professora considera que ele é mais exigido daqueles que têm uma maior formação escolar, sobretudo os de nível superior, mas na realidade a forma oral acaba sofrendo alterações e influência conforme as diversas faixas etárias, sociais e geográficas. Como o Nordeste, o Sudeste e o Sul, que têm sotaques e expressões diferentes (quem não se lembra do pernambucano “basculho”?). Ou seja, o português falado é mais espontâneo em relação ao escrito, que exige mais fidelidade à gramática.
Mas tanto escrevendo ou falando, a melhor forma de valorizar e respeitar a língua portuguesa é a prática da leitura, não apenas de livros ou textos clássicos, como de Camões ou Machado de Assis, mas de poesias, romances, crônicas, artigos, dissertações, jornais ou mesmo dicionários e gramáticas. “Quanto mais eu leio, mais eu amplio minha visão de mundo, domino o modelo de escrita do meu idioma, porque não existe fórmula mágica para se aprender a escrita da língua. A escrita se aprende lendo e também exercitando ela, obviamente. Dicionários não são ‘pais-dos-burros’, como muitos de nós já escutamos. São obras para serem consultadas, do mesmo modo que as gramáticas. Essa também é uma maneira de valorizar o nosso idioma, finaliza a professora Cláudia, em bom português.
Asscom | Grupo Tiradentes