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Jogo legalizado traz ajuda social, mas também incentiva vício

Apostas vendidas em lotéricas são importante fonte de arrecadação para fundos públicos, mas também servem como desculpas para pessoas com vício em jogo

às 21h07
Edgard Leonardo Meira, professor do curso de Administração da Unit Pernambuco
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Elas representam para muitos um sonho de ficar milionário ou conseguir um bom dinheiro, e também uma alternativa ao jogo clandestino: são as loterias oficiais, que surgiram internacionalmente na década de 1960. Antes exploradas ilegalmente, elas passaram a ser encampadas e reguladas pelos governos locais, como forma de arrecadar recursos. No Brasil, onde os cassinos e outros jogos de azar estão proibidos desde 1946, a administração e organização do sistema lotérico foi outorgada com exclusividade à União em 1961, por decreto do então presidente Jânio Quadros. Desde então, está sob responsabilidade da Caixa Econômica Federal (CEF). 

As loterias oficiais operam principalmente os jogos de azar baseados no sorteio aleatório, com baixíssima probabilidade de ganhos. “Ganhar na Mega-Sena com um jogo simples de seis números tem uma chance a cada 50 milhões, ou 0,000002%”, resume o economista Edgard Leonardo Meira Lima, professor do curso de Administração do Centro Universitário Tiradentes (Unit Pernambuco). Apesar das baixíssimas chances, as apostas têm muitos investimentos e são muito procuradas nas quase 13 mil lotéricas em funcionamento hoje no Brasil. Essa busca tem rendido muito dinheiro à Caixa, que arrecadou R$ 17,1 bilhões em apostas ao longo de 2020, de acordo com seu último balanço social. 

Uma parte destes recursos vai para o pagamento dos prêmios e manutenção das lotéricas credenciadas, enquanto a outra vai para o governo federal. “Em geral uma fração do valor arrecadado retorna por meio dos prêmios, e quase metade do total arrecadado cumpre um papel social, sendo repassado para financiar projetos. Os valores são redistribuídos para investimento em áreas como: Saúde, Educação, Segurança, Esportes, Cultura, Seguridade Social e outros. Sem os recursos oriundos das loterias federais, eles correriam um sério risco”, explica Edgard. Entre os fundos que recebem dinheiro das loterias, estão o de Financiamento Estudantil (Fies), o Penitenciário Nacional (Funpen), além dos Nacionais de Saúde (FNS) e Cultura (FNC), do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e de confederações esportivas

Outra função das lotéricas é a prestação de serviços bancários delegados pela Caixa, como aberturas de contas, saques, consultas e pagamentos. O professor explica que as lotéricas são importantes, principalmente em locais onde não há disponibilidade de rede bancária. “As casas lotéricas têm sido uma forma de aproximar a rede bancária da população. Estão presentes em mais de 4,4 mil municípios, como principais agentes pagadores de benefícios sociais governamentais e como prestadores de diversos serviços à população. Notadamente, em bairros e municípios desprovidos de agências bancárias, são também geradores de emprego e renda para as populações locais, estimulando as atividades econômicas em suas microrregiões”, acrescentou. 

Incentivo ao vício?

Por outro lado, as apostas legalizadas acabam piorando a situação de algumas pessoas que têm vício em jogo, ou ludopatia, doença classificada pela Organização Mundial da Saúde. Ela foi retratada por uma personagem da novela A Força do Querer, reprisada recentemente pela Rede Globo. Na história, a esposa de um empresário, interpretada pela atriz Lília Cabral, inventou várias mentiras, falsificou um cheque da firma do marido e até tomou empréstimos para apostar o dinheiro em casas clandestinas, só assumindo a doença e buscando ajuda depois que um agiota ameaçou matar sua filha e foi preso. 

A psicóloga Giedra Marinho Cavalcanti, professora do curso de Psicologia da Unit Pernambuco, explica que o ato de jogar se caracteriza como vício quando a pessoa fica refém daquela situação e recorre a ela em busca de prazer imediato. “Ela deixa de executar as atividades da vida diária dela para jogar ou praticar qualquer outra situação em que esteja envolvida. E às vezes o envolvimento é emocional, não só financeiro. Quando a pessoa não consegue deixar de fazer, ela tem que fazer e deixa de, por exemplo, pagar contas da casa, destinar o dinheiro para outra coisa. Está sempre desviando e às vezes até roubando dentro de casa”, descreve ela, referindo-se a um dos estágios finais do vício.

Na visão de Giedra, a venda de apostas oficiais pelas lotéricas dá um estímulo a mais para que o viciado continue jogando e gastando seus recursos. “Porque a pessoa tem o aval de que é correto, de que não tem problema e acredita, de fato, que um dia ela vai ganhar, que um dia ela vai ser contemplada. Isso pode passar anos, às vezes a vida inteira da pessoa. E o grave é quando a pessoa realmente começa a desviar recursos próprios, desvia de dentro de casa, para apostar nesse vício que muitas vezes é legalizado. Isso também serve como uma desculpa para a pessoa de que ela não está fazendo nada errado”, diz ela.

As pessoas que possuem o vício em jogo precisam buscar ajuda especializada e tratamentos. Entre os que fornecem esse apoio, estão ONGs como a Jogadores Anônimos, criada em 1957, semelhante aos Alcoólicos Anônimos, com a mesma linha de conduta, baseada nos lemas “Um dia de cada vez” e “Só por hoje”. Giedra ressalta que não há cura, mas sim controle do vício. “Há um controle pro resto da vida. Quem é viciado, seja em drogas, bebidas, jogo ou cigarro, tem que entender que só consegue se livrar disso, ou controlar, quando entende que é pro resto da vida. Entendendo que possivelmente vão ter recaídas, mas que se volta, retoma novamente e que tem que se estar no controle da situação”, afirma a professora, ressaltando que além das ONGs, os ludopatas podem ser assistidos por psicólogos psiquiatras e até outros médicos, caso seja necessária alguma medicação.

Asscom | Grupo Tiradentes

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