“Não se julga um livro apenas pela capa”. O velho ditado nem sempre é aplicado quando se fala de roupas, moda e estilo. É comum ouvir dos pais a seguinte recomendação: “Não saia na rua parecendo um maloqueiro!”. Outros contam histórias de terem sido discriminados ou preteridos em entrevistas de empregos por causa da forma como estavam vestidos. Somam-se a isso comentários pejorativos em cima de um meme que circulou nos últimos dias pelas redes sociais: o do estilo “mandraka”, no qual uma pessoa aparece vestida com óculos escuros “estilo Juliette”, correntes e jaquetas ou blusas de marca e adereços como gorros, bonés ou bandana. Não tardou que as pessoas vestidas assim fossem ofendidas ou taxadas como “bandidas” ou “malandras”.
Esse é um exemplo de uma prática social que começa a ser conhecida como “classismo”, no qual algumas pessoas discriminam outras de acordo com a roupa ou estilo de roupa. E esse não é um comportamento novo, mas existente desde a Europa da Idade Média, por volta do século XIV, com a ascensão da burguesia. Segundo a professora Larissa Moura, do curso de Psicologia da Universidade Tiradentes (Unit Sergipe), o conceito de “moda” como sistema surgiu como um recurso para estabelecer a diferenciação em relação a classes sociais, por causa do custo de produção das roupas na época.
“Pessoas que eram de determinada classe social se vestiam de uma forma diferente e de modo que isso ficava muito claro enquanto estrutura de sociedade. Até porque, até a Revolução Industrial, os tecidos e as roupas não eram coisas baratas. Chegava-se ao ponto de uma família deixar, meio que de herança, um conjunto de peças que passava de geração para geração. Só quando vem a Revolução Industrial é que há uma produção em massa e o preço vai diminuindo”, disse ela, pontuando que esta não foi a única mudança ocorrida neste sentido. A partir da década de 1960, os estilos de moda começaram a ser formados e ditados pelas ruas, quebrando a antiga prática segundo a qual tais estilos eram copiados não tão fielmente por pessoas de classes sociais inferiores que trabalhavam diretamente com as de classes superiores – e mesmo assim como alfaiates.
Para Larissa, a diferenciação de classes através da moda ajuda a explicar porquê determinados estilos despertam preconceitos, mas esta associação de estilos a tipos de pessoas nem sempre corresponde à verdade. “Se você for parar pra pensar, às vezes é difícil você fazer esse julgamento pela forma como o outro se veste. Porque você pega esses CEOs de tecnologia do Vale do Silício [região que sedia as principais empresas de tecnologia dos Estados Unidos] e eles tão vestindo uma camisa cinza, uma calça jeans, um tênis, que você não acharia que seria um grande luxo, mas elas são milionárias. Você vê empresas de aluguel de bolsas de marca, que a pessoa está por cinco dias com uma bolsa Chanel caríssima e que você pode julgá-la por ela ter esse pertence, mas ela ser de uma classe social que não é condizente a um cliente que teria condição de fazer um investimento tão alto numa bolsa dessa marca”, ressaltou.
Armadilhas ao julgar
A professora deu ainda o exemplo da chamada street wear, uma moda de rua costumeiramente usada por jovens de periferia, que foi muito associada aos chamados ‘rolezinhos’, encontros de centenas de jovens em shoppings e locais públicos, marcados através das redes sociais. “Não são roupas que passam aquela ideia de luxo que havia no passado. São roupas confortáveis, são moletons, eu lembro muito do cinto off-white, e quando você vai ver, são peças caríssimas, mas que se você julgasse como a pela forma como a pessoa se veste, só teria essa noção se você conhecesse a marca”, explica Larissa, chamando a atenção para as “armadilhas” e “ciladas” que existem ao se julgar uma pessoa pelo que ela usa ou veste.
Isso chama a atenção para o velho conselho de não qualificar as pessoas apenas pela aparência, sem levar em conta as qualidades profissionais e pessoais, como o caráter. Como esse tipo de julgamento é bastante arraigado na sociedade, a dica principal de Larissa Moura é que a pessoa conheça bem a sua identidade para definir o seu estilo, tendo a noção dos ambientes onde determinado tipo de roupa será usado.
“As pessoas não deveriam tentar abrir mão da identidade que possuem, mas saber o que elas gostam, o que as deixam confortáveis na hora de se vestir, para saber qual roupa escolher e tendo noção daquela ocasião. É no ambiente profissional que trabalha, qual é o evento que você vai participar, mas sempre trazendo a sua identidade, de acordo com aquela ocasião, porque eu acho que quando a pessoa abre mão da própria identidade para se vestir de acordo com o que os outros esperam, você se fantasia. E aí, você deixa de usar um recurso que é tão positivo para se comunicar e para se expressar, que pode passar uma mensagem que não necessariamente corrobora com aquilo que você pensa”, conclui a psicóloga.
Asscom | Grupo Tiradentes