“Mães, filhas, irmãs, mulheres representantes da nação reivindicam constituir-se em uma assembleia nacional. Considerando que a ignorância, o menosprezo e a ofensa aos direitos da mulher são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção no governo, resolvem expor em uma declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados da mulher”. Assim começa o texto da Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, publicado em setembro de 1791 e escrito pela advogada e escritora francesa Marie Gouze, mais conhecida pelo pseudônimo Olympe de Gouges (1748-1793), que já se destacava na época por sua luta em favor dos direitos das mulheres – e acabou executada na guilhotina, dois anos depois.
O documento, lançado em plena Revolução Francesa (1789-1799), representou a primeira contestação pública às regras culturais e sociais vigentes, embasadas no machismo e no patriarcado. “A Declaração é um documento jurídico que buscava a emancipação feminina na época, visando as rupturas sociais, culturais e políticas. Esse instrumento jurídico tinha como principal objetivo efetivar a igualdade para homens e mulheres, como forma de reagir às opressões da época”, explica a professora Acácia Gardênia Santos Lelis, do curso de Direito da Universidade Tiradentes (Unit Sergipe).
Em seus 16 artigos, a Declaração dos Direitos da Mulher pode ser resumida em seu preconiza direitos e princípios que foram sendo conquistados ao longo dos anos, principalmente a partir do início do século XX, com o advento dos movimentos feministas de operárias que se organizaram na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil. Ao longo dos anos, as mulheres buscaram fazer valer o que está previsto no primeiro artigo do documento: “A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem. As distinções sociais só podem ser baseadas no interesse comum”.
Acácia analisa que muitos dos avanços conquistados foram alcançados graças à decisão e a iniciativa das próprias mulheres, mas ainda não contemplam materialmente uma igualdade plena de direitos, conforme a declaração preconiza. “O empoderamento feminino é necessário nessa luta, o que historicamente reconhecemos ter ocorrido a partir das ondas dos movimentos feministas, quando as mulheres foram protagonistas na luta pelo reconhecimento de seus direitos. Ainda temos muito que conquistar nessa busca pela igualdade de gênero, pois a herança do sistema patriarcal ainda é muito forte”, diz ela.
Violência: um obstáculo atual
Um dos problemas da atualidade que mais refletem essa cultura desigual e contrária às mulheres é o da violência doméstica, fortemente embasada na visão que alguns homens têm e exercem contra suas namoradas, esposas ou companheiras: a do sentimento de “posse” e de “inferioridade”.
Uma pesquisa recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com o Instituto Datafolha, mostra que 33,4% das brasileiras maiores de 16 anos já sofreram alguma situação de violência ao longo de sua vida, o que equivale a 21,5 milhões de mulheres. E se contados os casos ocorridos apenas no ano de 2022, o número de vítimas chega a 18,6 milhões, o que equivale a 28,9% das brasileiras. Entre as formas de violência mais sofridas, estão a psicológica, a física, a sexual, a moral e a patrimonial.
A luta contra essa violência segue hoje como a principal pauta de mobilização dos movimentos feministas no Brasil e já resultou na aplicação de uma gama de políticas públicas voltadas à segurança das mulheres e a responsabilização judicial dos agressores. “Entendo que muitas políticas públicas já adotadas são de suma importância para o enfrentamento da violência, como a política de ação afirmativa, a Lei Maria da Penha e o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero adotado pelo CNJ [Conselho Nacional de Justiça]”, afirma Acácia, que, no entanto, ressalta a necessidade de haver projetos que propaguem a cultura da paz e que promovam educação sexual e de gênero nas escolas. “Sem dúvidas, o papel da educação no combate à violência contra a mulher é fundamental”, conclui.
Asscom | Grupo Tiradentes