Você já se perguntou por que algumas pessoas parecem tão apaixonadas por si mesmas? O narcisismo, termo frequentemente utilizado para descrever indivíduos egocêntricos, é um fenômeno complexo que vai além da simples autoestima. Na psicologia, o narcisismo saudável está associado a uma autoestima ajustada e a um senso de autovalor que contribui para o desenvolvimento de um ego sólido.
De acordo o médico psiquiatra e professor da Universidade Tiradentes (Unit), César Santiago, esse tipo de narcisismo se manifesta em comportamentos que refletem autoconfiança e a capacidade de estabelecer limites pessoais sem desconsiderar o espaço e as necessidades dos outros. “Nas relações, a pessoa consegue afirmar suas próprias necessidades e respeitar a dos outros, contribuindo para um ambiente de trocas mútuas e saudáveis. Esse equilíbrio entre amor-próprio e respeito ao próximo ajuda a fortalecer os vínculos e a enfrentar desafios com mais resiliência”, elenca.
Entretanto, segundo dados do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), enquanto todos possuem traços narcisistas em certo grau, apenas uma pequena parte da população apresenta o Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN), o narcisismo patológico, caracterizado pela grandiosidade, a falta de empatia e a necessidade constante de admiração. “A diferença principal entre o narcisismo comum e o patológico está na intensidade e na rigidez desses traços, que interferem nas interações interpessoais e na autorregulação emocional do indivíduo. Enquanto o narcisismo comum é flexível e adaptável, o narcisismo patológico tende a ser fixo e desadaptativo, prejudicando as relações e o bem-estar da pessoa”, explica.
Impactos e fatores causadores
O desenvolvimento do narcisismo patológico é resultado de uma combinação de fatores genéticos e ambientais. “Algumas pessoas têm uma predisposição genética para certos traços de personalidade narcisista, o que pode se manifestar de forma mais intensa ou patológica dependendo do ambiente. Experiências como negligência emocional, exposição a uma criação que reforça a grandiosidade ou experiências de rejeição podem contribuir para a formação de um perfil narcisista patológico, onde o valor pessoal depende da constante validação externa”, pontua o psiquiatra.
Além disso, fatores como eventos de estresse crônico, traumas, rupturas emocionais ou exposição excessiva a ambientes altamente competitivos podem intensificar traços narcisistas a ponto de torná-los disfuncionais. “Em algumas situações, o ambiente externo pode reforçar constantemente a grandiosidade e a competição, o que, em indivíduos com predisposição ao narcisismo, pode transformar um traço inicialmente saudável em um padrão patológico. Esse desenvolvimento é observado principalmente em contextos onde a busca por aprovação externa é amplificada, como em redes sociais ou em certas profissões”, ressalta.
O narcisismo patológico interfere no bem-estar emocional porque frequentemente gera uma insatisfação crônica. A busca incessante por validação externa torna o indivíduo dependente do reconhecimento alheio, o que pode levar a sentimentos de vazio e insegurança. “Em termos de relacionamentos, o TPN geralmente causa dificuldades, pois o indivíduo tende a se colocar no centro das interações e, muitas vezes, utiliza os outros como “espelhos” de sua grandiosidade. Esse comportamento gera desgastes, pois a falta de empatia e a postura autocentrada criam um ambiente de tensão e frustração nas relações, que, com o tempo, podem acabar isolando a pessoa”, explica Santiago.
Consequências e influência das redes sociais
No ambiente social e profissional, os desafios enfrentados pelo indivíduo com TPN são expressivos. Nas interações sociais, é comum que ele se afaste de amigos e familiares, uma vez que demonstra dificuldade em valorizar as perspectivas alheias. Profissionalmente, esses indivíduos podem apresentar comportamentos dominadores e competitivos, o que até pode resultar em certo sucesso, mas frequentemente gera conflitos. “O maior desafio dessas pessoas é equilibrar a busca por reconhecimento com a habilidade de cooperar e respeitar limites alheios – algo essencial para relações interpessoais e para o crescimento emocional”, elenca.
Em uma sociedade onde a validação externa é frequentemente alimentada pelas redes sociais, o desenvolvimento de traços narcisistas, tanto saudáveis quanto patológicos, pode ser intensificado. As redes sociais estimulam a criação de uma imagem idealizada que promove a autoadmiração e a busca por aprovação em um ciclo constante. “A comparação constante nas redes pode intensificar sentimentos de grandiosidade ou insegurança, estimulando tanto o narcisismo comum quanto o patológico, em um ciclo de busca contínua por reconhecimento e exposição”, alerta.
Tratamento
O tratamento do narcisismo patológico é desafiador, mas a psicoterapia é um recurso eficaz. “Terapias como a terapia cognitivo-comportamental (TCC) e a terapia psicodinâmica ajudam a pessoa a desenvolver uma autopercepção mais realista e a compreender os impactos de seus comportamentos nas relações. Esses tratamentos visam aumentar a empatia, reduzir a necessidade de validação externa e desenvolver uma autoestima mais equilibrada e interna. Embora o tratamento possa ser desafiador, principalmente devido à resistência inicial do paciente, com comprometimento e continuidade, a psicoterapia pode levar a avanços significativos”, destaca César.
Manter práticas de autocuidado e autocompaixão, assim como atividades que cultivem a gratidão e a empatia, são fundamentais para fortalecer uma autoimagem saudável. Além disso, investir em relações genuínas e ter uma abertura para feedbacks construtivos ajuda a construir um senso de valor que não dependa exclusivamente da validação externa. “No campo da psicologia, exercitar a ‘auto-observação’ é uma prática que permite reconhecer padrões de comportamento, refletir sobre eles e manter uma postura equilibrada diante do próprio valor e do valor dos outros”, completa.
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