A indústria de jogos eletrônicos tem crescido exponencialmente a cada ano, alcançando novos patamares de popularidade e influência cultural. No entanto, essa expansão vem acompanhada de preocupações sobre questões como segurança jurídica, classificação indicativa, incentivos fiscais e proteção de crianças e adolescentes.
Em meio a esse cenário, surge o Projeto de Lei nº 2.796/2021 que propõe um marco legal específico para os jogos eletrônicos no Brasil, abordando uma série de questões que impactam tanto a indústria quanto os consumidores. O projeto de lei segue para sanção do presidente da República. Se aprovado, o marco legal entrará em vigor e trará um novo capítulo para a história dos games no Brasil.
O Procurador do Trabalho e Professor de Direito da Universidade Tiradentes (Unit), Ricardo Carneiro, destaca a importância do marco legal para a indústria de games brasileira. “A maior importância de um marco legal é a segurança jurídica, o que, a médio prazo, resultará em um crescimento da indústria de games e de toda a sua cadeia de negócios”, explica Ricardo.
Além disso, o projeto reconhece profissões específicas, como game designers e narradores de jogos eletrônicos, permitindo que esses profissionais sejam formalmente contratados e contribuam para o crescimento da indústria. “Através da regulamentação, profissões passam a ser reconhecidas, de modo que essas empresas poderão contratar novos profissionais com registro na CTPS. Haverá grande geração de emprego em uma área muito desejada, especialmente pelos mais jovens”, complementa.
Tributação e incentivos fiscais
Um dos pontos centrais do projeto de lei é a concessão de incentivos fiscais semelhantes aos aplicáveis ao setor cultural, como previsto na Lei Rouanet e na Lei do Audiovisual. “O projeto traz ótimas novidades aos empresários que já estão no setor e para aqueles que pretendem migrar ou iniciar seus negócios nessa área em franca expansão. Os aspectos mais importantes talvez sejam a inclusão de artigo na Lei do Audiovisual, Lei 8685/1993, para oferecer abatimento de 70% no Imposto de Renda devido em remessas ao exterior relacionadas à exploração de jogos eletrônicos ou licenciamentos”, explica.
O benefício em questão também valerá para contribuintes que investem no desenvolvimento de projetos de jogos eletrônicos brasileiros independentes. Além disso, o projeto concede um tratamento especial para o fomento de jogos por empresários individuais, sociedades empresariais, cooperativas, sociedades simples e microempreendedores individuais (MEI).
“Isso pode fortalecer significativamente o setor, estimulando investimentos em tecnologia e produção audiovisual relacionada aos jogos eletrônicos. O marco legal também reconhece o potencial dos jogos eletrônicos para além do entretenimento, abrindo caminho para sua utilização em áreas como educação e terapia”, elenca Ricardo.
Outro ponto de destaque está na definição de jogos eletrônicos. Assim, ficaram de fora do conceito de jogos eletrônicos quaisquer tipos de jogos de azar eletrônicos, jogos tipo “bet”, pôquer, entre outros que envolvem premiações em dinheiro. “O texto aprovado também determina que, para a concepção, o design, a gestão e o funcionamento dos jogos eletrônicos direcionados a crianças e adolescentes, devem ser adotadas medidas adequadas e proporcionais para mitigar os riscos aos seus direitos”, pontua.
Além do entretenimento
Com a aprovação do marco legal, a indústria de games brasileira tem um futuro promissor pela frente. “O novo marco jurídico trará segurança jurídica, imprescindível para o desenvolvimento de qualquer setor. Ademais, buscando aumentar a oferta de capital para investimentos na indústria de games, incentivar pesquisas científicas e tecnológicas no setor, o projeto prevê um incentivo especial para o desenvolvimento de jogos realizado por empresários individuais, cooperativas, sociedades simples e empresariais e até por Microempreendedores individuais”, observa.
O marco legal dialoga com outras legislações existentes, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), reforçando a proteção dos mais jovens. “Os fornecedores de jogos eletrônicos são responsáveis pela proteção das crianças e adolescentes em relação à exposição a jogos violentos ou abusivos (por exemplo, os que incentivam a discriminação). Além disso e também para este fim, deverão ser criados canais de reclamações e denúncias desses abusos. As ferramentas de compras, por sua vez, deverão buscar o consentimento dos responsáveis pelos usuários infanto-juvenis”, orienta.
De acordo com o projeto, caberá ao Estado realizar a classificação etária indicativa dos jogos, considerando os riscos relacionados ao uso de mecanismos de microtransações (compras digitais no contexto do jogo), que podem estimular consumo desenfreado em crianças. “De igual forma, nessa mesma linha, as ferramentas de compras dentro de jogos eletrônicos devem garantir, por padrão, a restrição da realização de compras e de transações comerciais por crianças, garantindo o consentimento dos responsáveis”, acrescenta Ricardo.
O projeto de lei brasileiro se inspira em modelos de outros países, mas leva em conta as particularidades do mercado brasileiro e do perfil dos seus consumidores. “Nosso modelo não se afasta muito do que vem sendo adotado nos outros países. É bem verdade, que alguns estão talvez mais avançados do que o Brasil. O Canadá, por exemplo, inclui os games como ativos culturais e isso faz com que órgãos públicos contemplem os jogos nos seus editais nas mais diversas áreas. É possível que cheguemos no futuro em um estágio parecido. Mas, por enquanto, a nossa legislação já é um grande avanço”, projeta.
Leia também: Reformatório Penal chega aos 29 anos garantindo formação e acesso à justiça