Com a pandemia do coronavírus, de impactos mundiais comparáveis aos das duas guerras mundiais do século passado (1914-1918 e 1939-1945), um tema importante voltou às discussões de governos e sociedades: a segurança alimentar. O conceito surgiu ainda na Primeira Guerra, ao descrever problemas enfrentados por países que não conseguiam produzir alimentos e dependiam de outros, principalmente das grandes potências. E tem orientado as nações a adotarem como estratégia a reserva de sementes para a produção de alimentos em seus territórios.
A ideia de “segurança alimentar e nutricional” vai muito além disso. “É um conceito em que consiste na garantia do direito de todos ao acesso a alimentos de qualidade, em quantidades suficientes e de modo permanente, com base em práticas alimentares saudáveis e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, nem o sistema alimentar futuro”, explica a professora Theresa Cristina de Albuquerque Siqueira, dos cursos de Nutrição e Medicina do Centro Universitário Tiradentes (Unit Alagoas).
Ainda segundo ela, uma pessoa é considerada ‘bem-nutrida’ à medida em que tem acesso a alimentos que estejam de acordo com as necessidades nutricionais. “Não é apenas ‘comer’ qualquer tipo de coisa, mas que esse ‘comer’ seja realmente adequado em termos de composição nutricional, saudável, que seja relacionado a cultura e que as pessoas tenham acesso todos os dias. Uma alimentação saudável e adequada precisa ser variada, saborosa também e com ingredientes mais naturais e de base locais”, afirma Cristina.
Mas mesmo nos próprios países, a falta de alimentos – ou de condições para adquiri-los – cria problemas principalmente para as famílias mais pobres, as quais passam a depender de doações ou de benefícios para se alimentar. “O problema da insegurança alimentar está associado a um conjunto de fatores multidimensionais, dentre eles os fatores econômicos. Certamente, uma redução na qualidade de vida, nos níveis de renda per capita, no aumento do desemprego e piores ocupações de trabalho, dificultam e inibem o acesso a alimentos saudáveis e em boa qualidade e quantidade”, define o professor Ítalo Spinelli da Cruz, do curso de Administração da Universidade Tiradentes (Unit Sergipe).
O problema da falta de acesso a alimentos saudáveis e suficientes ficou mais presente com a pandemia, com as restrições à circulação de pessoas e ao funcionamento de empresas e estabelecimentos. Isso contribuiu para o aumento dos índices de desemprego e, por consequência, do número de pessoas que passam fome. “O acesso financeiro para a aquisição de alimentos é importante também para garantir a segurança alimentar e nutricional. Por isso, em tempos de crises econômicas, um dos indicadores que é mais prevalente é o da insegurança alimentar e nutricional, onde várias famílias não conseguem garantir o mínimo com qualidade e quantidade suficiente para o seu estado nutricional”, completa Theresa.
Um aspecto que pesa neste problema é o da carestia, que é a alta excessiva dos preços dos alimentos. A inflação de 2020, segundo dados do IBGE, foi de 4,52%, enquanto o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), fechou em 6,29%, provocando um impacto de 14,09% nos preços de alimentos e bebidas. Para Ítalo Spinelli, o poder de compra das camadas mais pobres da população fica mais prejudicado do que já é. “Considerando que quase tudo, senão tudo que elas possam receber em renda, é destinado a compra de comida, o aumento da inflação dos alimentos torna este cenário ainda mais perverso, visto que o aumento dos preços corrói o poder de compra destas famílias, aumentando a insegurança alimentar desta parcela mais pobre”, disse ele.
Comida processada
A falta de condições para comprar comida traz consigo um segundo problema: o consumo de alimentos com grande densidade calórica e poucos nutrientes. São os alimentos ultraprocessados, considerados mais baratos e de fácil acesso, mas que, de acordo com a professora Theresa, causam diversos problemas de saúde. “As pessoas consomem esses alimentos com a falsa sensação de ser uma ‘comida prática’”, disse ela, que chama a atenção para a necessidade de conhecer e selecionar mais os alimentos, dando preferência a frutas, verduras e legumes.
“Conhecer e valorizar alimentos que são produzidos na região, desembalar menos e descascar mais, conhecer o Guia Alimentar Brasileiro de 2014 e os dez passos da alimentação saudável são alternativas mais saudáveis que as pessoas poderiam adotar. A valorização do uso total do alimento é algo que evita o desperdício alimentar, bem como conhecer o que é suficiente e adequado para suas necessidades nutricionais, valorizar a comida de verdade é também uma das alternativas para alcançar uma condição mais saudável”, conclui a professora.
Asscom | Grupo Tiradentes