Em uma iniciativa que une academia e comunidade, alunas da Universidade Tiradentes (Unit) desenvolveram projetos para atender às necessidades da comunidade indígena Xocó, localizada em Porto da Folha, Sergipe. A pesquisa, realizada no âmbito do Programa Laboratório Social, resultou em Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) que abordam questões cruciais como a insegurança alimentar e a demarcação de terras. Com orientação de docentes no Brasil e na Espanha, elas defenderam seus TCCs, evidenciando o impacto do programa na formação jurídica e social.
O Programa Laboratório Social, em parceria com as Universidades de Deusto e Valladolid, na Espanha, proporcionou às estudantes uma experiência única de aprendizado. “O programa Laboratório Social permite que o aluno desenvolva seu TCC de forma colaborativa com universidades da Espanha. Eles foram selecionados para participar do programa em fevereiro e, desde março, vêm trabalhando nessa temática. Além disso, tiveram a oportunidade de participar de uma mobilidade acadêmica ampliando seus conhecimentos sobre temas de relevância social”, destaca a assessora de relações internacionais da Unit, Júlia Gubert.
Através de visitas frequentes à comunidade, as estudantes puderam compreender de forma profunda os desafios enfrentados pelos indígenas Xocó. “Os resultados de uma das pesquisas revelaram que, embora a comunidade não enfrente fome extrema, enfrenta insegurança alimentar devido ao alto consumo de alimentos ultraprocessados, prejudicando a saúde, e à dificuldade de acesso a alimentos frescos, exigindo deslocamentos semanais e aluguel de caminhões para mercados. Esses desafios refletem a definição de insegurança alimentar, que vai além da falta de alimentos e inclui obstáculos ao acesso a opções saudáveis e nutritivas”, explica o professor e orientador do Programa Laboratório Social, Fran Espinoza.
Soluções e impacto social:
Os TCCs desenvolvidos pelas alunas apresentaram soluções para os problemas identificados na comunidade Xocó. Entre as propostas, destacam-se:
- Implementação de hortas comunitárias: Visando promover a produção de alimentos saudáveis e fortalecer a autonomia alimentar da comunidade.
- Criação de programas de educação nutricional: Com o objetivo de conscientizar a população sobre a importância de uma alimentação equilibrada e saudável.
- Fortalecimento da organização comunitária: Para que os indígenas possam defender seus direitos de forma mais eficaz e participar ativamente das decisões que afetam suas vidas.
A estudante Ketlyn Suianne Pereira abordou a relação entre alimentação saudável e as políticas públicas. Sua pesquisa revelou que, apesar da abundância de alimentos regionais, muitos habitantes enfrentam insegurança alimentar devido à falta de políticas continuadas que muitos deles sequer sabiam da existência. Havia uma lacuna acerca dos objetivos e concretização dos projetos.
“Acredito que o projeto possa inspirar outras iniciativas porque olha para um grupo minoritário, no caso, uma comunidade indígena. Ao estudar a realidade deles a fundo, percebe-se as mazelas vivenciadas. Com o enfoque nos direitos humanos, torna-se necessário pensar, também, em maneiras de minorar os desafios por ele enfrentados e concretizar os direitos reconhecidos para dignidade humana desses povos. Assim, decidi trabalhar as políticas públicas e a percepção dos moradores acerca delas”, destaca Ketlyn.
Já Ana Luiza Dantas explorou a preservação das tradições alimentares indígenas. “O principal desafio da comunidade indígena Xokó foi a garantia da segurança alimentar, um direito básico muitas vezes comprometido devido ao grande uso de alimentos ricos em embutidos e industrializados, o que acaba contribuindo para o aumento dos índices de doenças relacionadas à saúde nutricional, como a diabetes e hipertensão. Além desse impasse, também é relacionado ao esquecimento de práticas tradicionais culinárias que outrora fazia parte do cotidiano do Povo Xokó”, explica.
O projeto propõe estratégias baseadas no diálogo com a comunidade, valorizando seus conhecimentos tradicionais e alinhando-os a políticas públicas inclusivas. Ele busca promover práticas sustentáveis de produção de alimentos e fortalecer a autonomia da comunidade, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e o respeito aos seus direitos.
Ela sugeriu a implementação de hortas comunitárias como soluções para o desenvolvimento sustentável. “A curto prazo, espera-se a conscientização da comunidade e a implementação de ações imediatas para melhorar a segurança alimentar. A longo prazo, o objetivo é alcançar a sustentabilidade dessas práticas, reduzindo a dependência externa através de hortas comunitárias, garantindo o direito à alimentação adequada e promovendo a preservação cultural e ambiental. Isso porque, como abordado na pesquisa, não é necessário apenas ter o alimento, é necessária uma qualidade nutricional para que o direito à alimentação seja assegurado de forma efetiva”, elenca.
Constanza Lelis analisou o histórico de luta pela demarcação das terras da comunidade Xocó, tema que permanece como um dos maiores desafios legais enfrentados pelos povos indígenas no Brasil. Baseada nos relatos do Cacique da comunidade e em estudos constitucionais, ela reforçou a necessidade de um diálogo entre o Estado e a comunidade para efetivar os direitos já reconhecidos pela Constituição de 1988.
“Escolhi esse tema após um aluno da Universidade de Valladolid, que estava realizando mobilidade acadêmica aqui, perguntar ao cacique sobre os direitos de usufruto e propriedade da terra. Ele respondeu que a comunidade possui o direito de usufruto, mas não de propriedade. Essa resposta ficou marcada para mim e acabou inspirando o tema do meu trabalho. Afinal, a Constituição Federal garante o direito à propriedade para todos os cidadãos, independentemente de qualquer distinção. Isso despertou meu interesse em aprofundar essa questão”, relembra Constanza.
Próximos Passos
O professor Fran Espinoza revelou que a próxima etapa do Laboratório Social, prevista para o início de 2025, poderá continuar com a comunidade Xocó ou expandir para outros grupos, como os Fulni-ô. “O objetivo seria investigar mecanismos de justiça comunitária nessas comunidades, identificando como resolvem conflitos internos: se recorrem à justiça estatal brasileira ou se utilizam métodos próprios para solucionar essas questões”, elenca Fran.
A experiência das alunas no Laboratório Social demonstra o potencial do Direito como ferramenta de transformação social. Ao unir pesquisa, prática e internacionalização, o programa não apenas prepara profissionais mais conscientes, mas também contribui para soluções concretas nas comunidades atendidas. “O programa não só promove impacto direto nas comunidades atendidas, mas também fortalece a formação jurídica dos alunos, conectando teoria e prática de maneira inovadora. Com essas iniciativas, a Unit reafirma seu compromisso com a justiça social e a formação de líderes capazes de promover mudanças significativas em suas áreas de atuação”, finaliza Fran.
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