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“O nosso corpo é o tempo todo objetificado”, diz doutoranda

Declaração é da doutoranda em Educação pela Unit, Jady Rosa dos Santos, que desenvolve pesquisa voltada para mulheres negras e prostituição

às 23h20
Jady Rosa dos Santos
Jady Rosa dos Santos
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“Acho que toda mulher negra já escutou essa abordagem de um homem: ‘meu desejo é ficar com uma mulher negra’.  O nosso corpo é o tempo todo objetificado. É vivência real. Nós não somos apenas uma mulher. Eu sou uma mulher negra andando na rua”, enfatiza a doutoranda em Educação pela Universidade Tiradentes, Jady Rosa dos Santos.

A pesquisadora Jady Rosa sentiu na pele, várias vezes, o que a maioria das mulheres negras passam: a hipersexualização dos seus corpos. Dentro do contexto do racismo estrutural do Brasil, a hipersexulização dos corpos negros banaliza o homem negro e a mulher negra, objetificando-os e reduzindo-os à imagem de sexo fácil, de corpos volumosos e cheios de curvas. A temática pode estar em voga atualmente, mas a objetificação dos corpos negros não é algo atual. 

O professor do Programa de Pós-Graduação em Educação e do curso de História da Universidade Tiradentes e coordenador do Núcleo Diadorim de Estudos de Gênero da Unit, Gregory Balthazar, sublinha que a objetificação do corpo negro remete à um legado histórico da escravidão no país. “Quando o corpo negro chega no Brasil ele é trazido como um objeto, a ser coisa de alguém. É desumanizado. As mulheres negras, para além do trabalho escravizado, tinham outra questão que era a violência sexual, como aponta autoras como Lélia Gonzalez e Angela Davis. Quando a gente fala da objetificação, a gente fala da animalização do corpo negro. Ainda hoje, quando a gente fala de objetificação, ela está muito atrelada com a questão da animalidade ainda”, destaca o professor Gregory Balthazar.

Desde o período escravocrata do Brasil, foram atribuídos aos corpos negros características de erotização exacerbadas, como se os homens negros e mulheres negras fossem animais sexuais, sem sentimentos e sem afeto. ‘Negro da cor do pecado’, ‘mulata globeleza’ são alguns dos estigmas que insistem em ser reforçados, na atualidade, por muita gente para se referir a pessoas negras. 

O professor Gregory ressalta que sentir a atração, o desejo pela pessoa negra, é natural. O problema é quando há a banalização do corpo. “Não é que a gente está dizendo que não é pra ter desejo pelo corpo negro. Não é que o desejo não exista. Muito pelo contrário, não é isso. Mas, é aprisionar o corpo negro nesse lugar do animal. É o discurso que aprisiona o negro na visão animalizadora e o distitui de sua humanidade”, expressa. 

Quando se trata da mulher, uma dupla imagem é comumente associada: a mulata e a doméstica. Na imagem da mulata, está presente o estereótipo da mulher negra do carnaval, com o corpo cheio de curvas e permeado de fetiche. Já a imagem da empregada, é a que tira o protagonismo da mulher negra e a coloca no lugar de servidão, sem afeto e com desumanização. 

Mulheres Negras e Prostituição

Na Unit, a doutoranda Jady Rosa dos Santos faz pesquisas voltadas para mulheres negras e prostituição. Ela revela que, em Sergipe, no decorrer da sua pesquisa, foi possível analisar que a maioria das mulheres negras e moradoras de áreas periféricas formam a maior parte dos casos de violência sexual.

“Levantamentos breves que temos feito, sobre mulheres violentadas, Sergipe tem um expressivo número de mulheres mortas de forma violenta e a maioria são mulheres negras. Grande parte das mulheres são negras e residem em regiões periféricas. Isso tudo tem a ver com a exposição da mulher negra, do corpo dela”, aponta Jady.

Conforme sua pesquisa, há um alto índice de mulheres negras na prostituição. Ela ressalta que, em muitos casos, essas mulheres não são vistas pela sociedade. A pesquisadora lembra do contato que teve com Candelária e como ela contribuiu para sua pesquisa.

“Se formos na região do centro de Aracaju, ainda há muitos bordéis e elas ficam nas portas esperando os clientes e a maioria são negras. Em muitos casos, devido à naturalização, a gente nem consegue ver que elas estão ali se prostituindo. Candelária me dizia que quanto mais negra, quanto mais cintura, mais esse tipo de mulher era procurada e são objeto de desejo. Um dia eu perguntei para ela: ‘Candelária e se você fosse uma mulher branca seria a mesma coisa?’ Ela respondeu: ‘Eu não sei, porque só sei ser mulher negra’”, expõe. 

Como mulher negra e pesquisadora, Jady busca dar voz às mulheres negras que são, muitas vezes, marginalizadas pela sociedade.  “São essas problemáticas que me incentivam a desenvolver a pesquisa. A junção de pensar o meu eu como mulher negra e a ideia da sexualidade da mulher. Eu já ouvi muita a frase: ‘ah, por que você decidiu estudar a prostituta, você já teve alguma experiência como prostituta?’. Eu não sei até que ponto isso se associa ao meu estereótipo”, explica. 

Luta e Resistência

Do interior para a capital, Jady Rosa dos Santos reconhece que já ocupa um espaço que, na infância, ela não acreditava ser possível. “Eu como mulher negra sou muito otimista. Quando eu lembro de minha mãe que não foi alfabetizada e eu cheguei até aqui. Nós somos luta e resistência. A gente já avançou muito. Não dá pra relaxar tanto. As dores ainda existem”, ressalta.

Vencer o estigma da hipersexualização dos corpos negros é um desafio e uma necessidade atual. O professor Gregory Balthazar elenca que há muitos caminhos possíveis para isso. Apesar do racismo ainda estar naturalizado, o espaço que os negros, principalmente as mulheres, como Conceição Evaristo, Thaís Araújo e Djamila Ribeiro vem ocupando, é importante e necessário. 

“Os caminhos são muitos. Uma educação etnicoracial é um deles. Outro é o empoderamento das mulheres negras, elas ocuparem espaços públicos, sociais. A cultura é um deles, na ideia da representatividade. O esforço que o movimento negro tem feito para colocar o corpo negro em lugares para além da mulata globeleza e da empregada doméstica. O difícil é o país enfrentar, enquanto sociedade, o conjunto de violência que faz parte do nosso cotidiano. Desconstruir tudo isso é um caminho. A gente caminha para algo melhor, para um lugar mais solidário e menos violento”, salienta.

 

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