A busca pela adoção de combustíveis renováveis e não-poluentes vem ditando algumas medidas determinadas por países e instituições para tentar reduzir a emissão de gases e o consequente aquecimento global. Uma das decisões de maior impacto neste sentido foi aprovada em maio deste ano pela União Europeia: a substituição do gás natural pelo biometano e pelo hidrogênio, que têm um baixo índice de carbono.
Até o final de outubro, o bloco deve aplicar as novas regras nos países integrantes do bloco, que terão um prazo de dois anos para adaptarem suas legislações nacionais às novas disposições. A resolução também cria uma meta de que, até 2050, o uso de gases renováveis e de baixo carbono alcance cerca de 66% de participação do mercado.
Mas por quê existe essa correlação entre o gás natural e o carbono? O professor Giancarlo Richard Salazar Banda, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Processos (PEP) da Universidade Tiradentes (Unit), explica que o gás natural é composto principalmente por metano (CH₄), com pequenas quantidades de hidrocarbonetos (como etano, propano e butano), dióxido de carbono (CO₂), nitrogênio (N₂), sulfeto de hidrogênio (H₂S) e traços de outros gases.
“O gás natural é extraído de reservatórios subterrâneos formados pela decomposição de matéria orgânica ao longo de milhões de anos, de forma similar ao que ocorreu na formação do petróleo, sendo que ambos são encontrados usualmente juntos nos reservatórios. Ele é mais poluente que o H₂ porque sua combustão libera dióxido de carbono (CO₂), um gás de efeito estufa. O biometano, embora produz quantidade similares de CO₂, é considerado mais sustentável porque é produzido a partir de resíduos orgânicos renováveis e pode ser carbono neutro. Ou seja, sua produção e uso resultam em emissões de CO₂ que são balanceadas pelo CO₂ absorvido pelas plantas durante seu crescimento”, diz Giancarlo, pontuando que o hidrogênio não emite CO₂ quando utilizado, por não possuir carbono na sua composição.
Ainda segundo o professor, o biometano é composto quase inteiramente por metano, de forma similar ao gás natural, mas produzido a partir da decomposição de resíduos orgânicos, como resíduos agrícolas e esgoto, por microrganismos anaeróbicos, isto é, que não precisam oxigênio para sobreviver. Já o hidrogênio pode ser produzido a partir do biogás, através de um processo industrial conhecido como reforma a vapor.
“Neste processo, o metano é combinado com vapor a altas temperaturas para gerar hidrogênio, monóxido de carbono e dióxido de carbono. Em seguida, o monóxido de carbono reage com vapor adicional para produzir mais hidrogênio e dióxido de carbono, seguido por processos de separação e purificação para obter hidrogênio de alta pureza. Por outro lado, o hidrogênio pode ser produzido também por eletrólise da água utilizando energias renováveis (hidrogênio verde) ou por reforma a vapor de gás natural (hidrogênio cinza)”, acrescenta o professor.
Entre as principais medidas necessárias para o cumprimento da resolução da União Europeia, estão a ampliação da infraestrutura de produção e distribuição destes gases, bem como a concessão de descontos tarifários e incentivos para as alternativas ao derivado de petróleo, especialmente para o mercado de hidrogênio. “É necessário que o governo crie políticas e incentivos econômicos, e fomente um mercado viável para esses combustíveis. Investimentos significativos em pesquisa, desenvolvimento e colaboração entre governo, empresas e consumidores deverão ocorrer para conseguir aplicar estes novos combustíveis no mercado”
E o Brasil?
A decisão dos europeus pode servir de exemplo para outros países que também buscam suas emissões de gases e poluentes na atmosfera, apontadas como causadoras das alterações climáticas. Ela também pode trazer repercussões e consequências para o Brasil. O professor Giancarlo admite que a resolução da União Europeia pode prejudicar os planos brasileiros de se tornar um grande fornecedor de gás natural, pois o mercado europeu estará reduzindo sua dependência de combustíveis fósseis.
Mas, por outro lado, isso pode abrir oportunidades para o Brasil se posicionar como um fornecedor de biometano e hidrogênio, aproveitando seu grande potencial em energias renováveis como energia solar e eólica, assim como em biomassa. “O Brasil tem potencial para realizar essa transição, especialmente considerando sua vasta produção agrícola, cujos dejetos e subprodutos podem ser utilizados para produzir biometano. Além da produção de hidrogênio a partir do biometano, o Brasil tem um grande potencial para aplicação de energia solar, que pode ser utilizada para produzir hidrogênio verde a partir da água. Contudo, seria necessário um investimento significativo em infraestrutura e tecnologia”, avalia o professor.
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