O lar é o local onde as pessoas esperam e acreditam que vão se sentir acolhidas e amadas, compreendidas e respeitadas, instruídas e seguras. Um lugar de refazimento de energias, onde as pessoas alimentam-se de afetos e encontram o conforto do acolhimento. No entanto, para algumas pessoas, a permanência nestes locais pode ser uma tortura, pois elas sofrem violência física, moral, psíquica, econômica, etc. É a chamada violência doméstica.
Normalmente, as vítimas são mulheres, idosos, crianças, e até mesmo as empregadas domésticas ou qualquer pessoa que conviva dentro da residência. A violência doméstica atinge pessoas de todas as classes sociais, faixas etárias, culturais e ideologias. O Brasil é o quinto país do mundo em ranking de violência contra a mulher, atrás somente de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia, de acordo com dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH).
A médica Sônia Oliveira Lima, professora e pesquisadora do curso de Medicina da Universidade Tiradentes (Unit Sergipe), que tem estudos acadêmicos sobre o assunto,, considera que esta situação ultrapassa a várias endemias e já se tornou uma pandemia, que assola o mundo ao mesmo tempo que o coronavírus. “Neste período de pandemia de covid-19, no qual as pessoas ficaram em casa respeitando o distanciamento social os números aumentaram exponencialmente”, afirma.
Ela relata que já atendeu casos de idosos internados por infecções de escara de decúbito (quando acamados) que sofriam maus tratos. “Chegaram a me pedir para não ter alta hospitalar, porque em seu domicílio, no que deveria ser considerado lar, eram maltratados”, conta Sônia, ao orientar que, quando um profissional de saúde recebe uma pessoa vítima de violência doméstica, ela deve estar dentro das situações que denotam que houve uma violência.
Para a pesquisadora, é necessário o treinamento de profissionais da saúde, com elaboração de protocolos e de modo a que não só seja possível identificar os casos e notificá-los, mas também encaminhar as vítimas para o serviço mais adequado. “Por isso, há necessidade de uma avaliação. O médico deve estar atento a situações que denotam que houve violência. O idoso, por exemplo, pode estar desnutrido, desidratado; aquela criança que tem cicatrizes antigas, o deficiente que tem pavor nos olhos quando o seu agressor chega perto durante o atendimento. Precisamos acolher e encaminhar para os serviços de atendimento”, frisa.
De acordo com a médica, outra situação comum que os profissionais enfrentam durante o atendimento a vítimas de violência doméstica ocorre quando o agressor não quer se afastar da vítima, por medo de ser denunciado à polícia. “O médico ou o enfermeiro que atendem essa vítima tem que saber afastar o acompanhante para que a pessoa possa ter capacidade de denunciar a violência”, orienta.
Principais vítimas
Quase sempre a violência doméstica começa com um relacionamento abusivo. As mulheres são as vítimas mais comuns da violência doméstica, seja mãe, esposa ou filha. Em seguida, vêm os idosos, independente do gênero, principalmente aqueles que ajudam na manutenção econômica do lar.
Sônia defende um endurecimento das penas de punição aos agressores, na esfera judicial, e mais locais adequados de acolhimento às vítimas. “Existe muita impunidade. É, portanto, necessárias punições maiores, pois este é um tema de saúde pública. É preciso também acolher. Tanto em nível hospitalar, quando a pessoa chega vítima da violência física, quanto psicológico quando vítima de uma violência psíquica e mesmo quando no momento denunciar nas delegacias voltadas a grupos vulneráveis, quanto no serviço social do hospital”, defende ela.
Está em tramitação no Senado Federal o projeto de lei 485/2021, amplia a pena dos crimes de violência doméstica: a mínima iria dos atuais três meses para dois anos de reclusão, enquanto a máxima passaria de três para seis anos de prisão.
Violência doméstica sexual
A professora Sônia Lima, que também integra o Programa de Pós-Graduação em Saúde e Ambiente (PSA/Unit), desenvolveu recentemente uma pesquisa sobre violência sexual doméstica, que apontou o lar como o principal local em que ocorrem os casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. E nestes casos, pessoas da família e conhecidas das vítimas figuravam entre os agressores, como o pai, o padrasto, o avô ou o tio.
“Esse trabalho que nós fizemos recentemente sobre violência sexual entre crianças e adolescentes, mostrou que a maioria tem menos de 14 anos. Muitas com nove e 12 anos que engravidaram do seu próprio pai. Até foi permitido o aborto, mas depois não tiveram um acolhimento psicológico adequado e essa vítima fica traumatizada para o resto da sua vida”, conclui ela.
Asscom | Grupo Tiradentes