A dor da incerteza, o vazio deixado pela ausência e a busca incessante por respostas são realidades para milhares de famílias no Brasil. O desaparecimento de pessoas é um drama público que atinge cerca de 80 mil famílias por ano no país, o que se traduz em aproximadamente 226 desaparecimentos diários. Esse cenário evidencia não apenas a dimensão do problema, mas também a necessidade urgente de informação acessível, estratégias coordenadas e políticas públicas eficazes para enfrentamento do fenômeno.
Sensível à urgência do tema e alinhado à Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas (Lei 13.812/2019), o Programa de Mestrado e Doutorado em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes (PPGD-Unit) lançou a cartilha acadêmica “Guia de Informação sobre Pessoas Desaparecidas em Sergipe”. A publicação, fruto de um trabalho coletivo, visa ser uma ferramenta de orientação e apoio à sociedade sergipana, oferecendo informações acessíveis e fundamentadas para familiares de pessoas desaparecidas, profissionais da segurança pública, da assistência social e da área jurídica.
O delegado de Polícia Civil de Sergipe e professor do PPGD da Unit, Ronaldo Marinho, explica que a iniciativa surgiu de uma convergência entre suas pesquisas acadêmicas e a vivência prática como delegado. “Percebi a necessidade de fornecer informações para os familiares de pessoas desaparecidas e para o cidadão em geral, no intuito de prevenir o desaparecimento de crianças, adolescentes, pessoas idosas, com transtornos mentais ou com algum tipo de deficiência”, afirma.
Combate a mitos e o papel da universidade
O conteúdo foi elaborado com apoio do PPGD, envolvendo bolsistas de mestrado, doutorado e pós-doutorado vinculados ao Laboratório de Direitos Humanos, além da colaboração de pesquisadores de outras universidades. “Foi, de fato, uma produção coletiva, com o objetivo principal de levar informação em uma linguagem simples e acessível a todas as pessoas. O nosso programa incorporou esse tema em uma de suas linhas de pesquisa e já desenvolvemos diversas pesquisas, publicamos artigos e um livro sobre o tema”, explica Ronaldo.
Um dos grandes objetivos da cartilha é desmistificar informações incorretas que podem dificultar a busca por pessoas desaparecidas. A coordenadora do PPGD, Grasielle Vieira, enfatiza a importância de combater mitos, como a falsa crença de que é preciso esperar 24 horas para registrar um boletim de ocorrência. “Queremos que essa informação chegue a todos, inclusive às escolas e aos adolescentes. Por isso, a cartilha tem uma importância científica, acadêmica e, principalmente, social”, afirma Grasielle.
Para Ronaldo Marinho a iniciativa reforça o papel social da universidade e representa um marco importante para o estado de Sergipe. “A Universidade Tiradentes tem, entre seus princípios, a integração entre ensino, pesquisa e extensão. Ela está inserida na sociedade de forma muito orgânica e busca desenvolver pesquisas e ações que realmente impactem a comunidade, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e do desenvolvimento social”, enfatiza.
Impacto esperado e próximos passos
A expectativa em relação ao impacto da cartilha é alta. Ronaldo Marinho projeta que o guia será fundamental para levar informações cruciais a uma parcela da sociedade que muitas vezes se vê perdida diante do desaparecimento de um ente querido. “Esperamos que a cartilha contribua para ampliar o acesso à informação, para capacitar e provocar os agentes públicos a criarem espaços de discussão e, principalmente, para fomentar políticas públicas eficazes de enfrentamento a esse problema”, declara. O professor revela que a iniciativa já recebeu retornos positivos de instituições públicas e movimentos sociais e será pauta de uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe, visando dar maior visibilidade ao problema e buscar soluções concretas.
Grasielle Vieira também reforça o objetivo principal da publicação. “Um dos objetivos de lançarmos a cartilha sobre pessoas desaparecidas em Sergipe é justamente considerar a gravidade do problema, dar visibilidade à sociedade de que esse fenômeno existe e orientar sobre os caminhos possíveis para ajudar na localização dessas pessoas. Mesmo sendo um fenômeno complexo, com várias camadas e questões envolvidas, é fundamental que ele saia da invisibilidade. Só assim podemos refletir, juntos, universidade, sociedade civil e poder público, sobre como facilitar a resolução desse problema”, pontua a coordenadora.
Informação como direito
O guia “Guia de Informação sobre Pessoas Desaparecidas em Sergipe” já está disponível para download no site da Universidade Tiradentes e sendo divulgado nas redes sociais da instituição e de seus alunos e professores. A expectativa é que a cartilha incentive o surgimento de novos materiais e debates, fortalecendo a cultura dos direitos humanos, da solidariedade e da justiça em Sergipe e em todo o Brasil. O próximo passo é dialogar com os poderes Executivo e Legislativo para pensar em medidas mais eficazes, protocolos ideais e formas de divulgar essas informações amplamente.
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